Publicidade alemã: adeus ao politicamente correto?
18 de julho de 2005O projeto de um festival cultural africano no zoológico da cidade de Augsburg, no sul da Alemanha, desencadeou acalorado debate em junho passado. A grande imprensa acompanhou o assunto com atenção. Porém, de acordo com grupos anti-racistas, mais preocupante do que tais incidentes sensacionais e isolados é a insensibilidade crônica da indústria publicitária alemã diante de questões étnicas. Um fenômeno que passa praticamente despercebido.
Exemplo típico seria o cartaz criado para o Teatro do Festival de Baden-Baden, em 2004, para divulgar a montagem da ópera Parsifal, de Richard Wagner (1813–1883), sob a regência do famoso maestro estadunidense Kent Nagano. Nele, vemos o genial compositor alemão que, graças à manipulação gráfica por computador, puxa os cantos dos olhos com os dedos, numa óbvia referência às origens japonesas de Nagano, atual maestro titular da Orquestra Sinfônica Alemã de Berlim.
Truques baratos
O pôster "Kent Nagano rege Wagner" não causou o menor incômodo à opinião pública. Porém atraiu a atenção dos especialistas do setor – que, no início deste ano, em Berlim, lhe concederam o Prego de Ouro, o mais importante prêmio da propaganda na Alemanha.
"Considero-o de mau gosto e racista", declarou Dagmar Yu-Dembski, presidente da Sociedade pela Amizade Teuto-Chinesa, sediada na capital alemã. Ela tem observado exemplos de estereótipos raciais na mídia e publicidade: "Enfatizar as características físicas dos orientais não passa de um truque barato para atrair a atenção. A referência crassa à etnia de Nagano não tem nada a ver com um concerto de música clássica".
Aki Takase, conhecido pianista e compositor baseado em Berlim, concorda: "É vergonhoso que nesse caso suas origens sejam aparentemente tão mais importantes do que seu imenso talento musical".
"Ríngua plesa"
Segundo Noah Sow – apresentadora de rádio e cantora, fundadora do grupo Der braune Mob (A multidão marrom), que registra questões raciais na mídia – é perfeitamente normal para a maioria dos alemães zombar de certas minorias raciais: "Em comerciais ou pôsteres de publicidade, orientais e negros são para os alemães ou motivos de rir, ou são reduzidos a clichês étnicos".
Ela cita como exemplo um comercial da MTV alemã para uma plataforma da qual se pode baixar música online. Nele, um adolescente asiático não consegue nunca comprar a música de sua banda favorita, por pronunciar seu nome "Lamones" em vez de "Ramones".
As peças alemãs de publicidade apelam com freqüência para tais estereótipos. "Orientais são em geral gente baixinha, de riso solto, incapaz de pronunciar a letra 'R' e que tira fotos o tempo todo. Já os negros são mostrados ou como vítimas necessitando de donativos, ou como DJs hip", acusa Sow.
Norbert Finzsch, professor de História da Universidade de Colônia, confirma as palavras de Noah Sow: "A forma como africanos e afro-americanos são percebidos e discutidos na Alemanha, a forma como são representados em cartazes e propagandas de TV, prova que o olhar colonialista e racista continua muito vivo no país", afirmou numa carta aberta em junho de 2005, pedindo a proibição do festival africano no jardim zoológico de Augsburg.
Consciência seletiva
Tais alegações soam surpreendentes, considerando-se a fama da Alemanha de ter cautela especial, em decorrência de seu passado, nas relações com os 6,8 milhões de imigrantes nela residentes. Porém os ativistas sugerem que muitos alemães possuem um conceito seletivo de correção política. Uma atitude perpetuada pela publicidade.
Noah Sow explicita: "É claro que você jamais encontrará uma imagem racista ou ofensiva de judeus ou dos povos sintos e rom [ciganos] na publicidade alemã, pois a maioria dos alemães tem plena consciência de que isso extrapola os limites do admissível".
E Dagmar Yu Dembski acrescenta que, dada a maciça presença turca no país (1,9 milhão), estereótipos de muçulmanos em comerciais também são tabu. "Em comparação, a comunidade asiática é pequena e quase invisível. Há quase um acordo tácito de que os orientais são alvos de zombaria preferenciais da publicidade alemã."
Para conhecer o ponto de vista do setor publicitário, leia a próxima página.
Indústria publicitária nega acusações
Os publicitários da Alemanha não aceitam as acusações de insensibilidade racial. Michael Preiswerk, porta-voz do Art Directors Club (ADC), que concedeu o troféu de ouro ao pôster Nagano-Wagner, defende a premiação: "É um cartaz excelente, que transcende as culturas para criar uma grande obra, e que mostra a cultura oriental de forma muito impactante e sucinta."
Ele nega qualquer intensão ofensiva: "É simpático e engraçado, mostra abertura e multiculturalismo". Entretanto Preiswerk admite que teria sido "mais complicado" encontrar uma concepção criativa, caso Nagano fosse um negro norte-americano.
Volker Nickel, porta-voz de imprensa do Deutscher Werberat (conselho que supervisiona o setor publicitário), também considera aceitável o cartaz em questão: "As pessoas diretamente afetadas naturalmente se sentem incomodadas com tais coisas, mas é preciso ver a peça em sua totalidade".
Ele afirma que, nos 33 anos de existência do conselho, não houve nenhuma "publicidade racista" na Alemanha, apenas comerciais "questionáveis", e que o país dispõe de padrões publicitários elevados: "Há uma grande sensibilidade na sociedade alemã, e mesmo nas empresas, em relação a pessoas de outras etnias – não há realmente com que se preocupar".
Nickel acrescenta que entre as 400 a 600 reclamações recebidas anualmente pelo Deutscher Werberat, apenas de uma a três se referem a peças publicitárias supostamente racistas: "Trata-se realmente de um fenômeno marginal", conclui.
"Alemanha não é só branca"
Apesar das opiniões em contrário, os grupos anti-racistas insistem em seu ponto de vista. Falta de consciência seria uma das fontes do problema, um sinal de que o país ainda precisa fazer progressos imensos até tornar-se verdadeiramente multicultural.
Outro empecilho é fato de que – ao contrário da Inglaterra e dos Estados Unidos, que admitem um certo grau de racismo – não existe uma entidade central, à qual os representantes das minorias raciais possam apresentar suas queixas.
Outros atribuem parte da culpa ao alemão médio em pessoa: "Na Alemanha, dá-se grande valor a não parecer racista. Mas os alemães se preocupam mais com o modo de a imprensa britânica se referir a eles ou com as comparações nazistas, do que com a forma como as minorias raciais são retratadas em seu próprio país".
Noah Sow acrescenta que, uma vez que os europeus são raramente alvo de estereótipos raciais, é quase impossível para os alemães brancos compreenderem como as pessoas negras se sentem quando sua etnia é ridicularizada ou apresentada de maneira desrespeitosa.
"A Alemanha não é só branca," lembra Sow, referindo-se aos 300 mil alemães negros vivendo atualmente no país, "mas quem ouve e vê a esfera pública mainstream na Alemanha, fica pensando que todos os alemães são brancos".