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Pé na praia: Dilma e os xingamentos

Thomas Fischermann
22 de novembro de 2017

O que aconteceu com a discussão política no Brasil, questiona o colunista. Em vez de xingamentos e provocações, não seria melhor se ambos os lados pelo menos ouvissem um ao outro e trocassem ideias?

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Com exatos 19 anos de idade organizei uma campanha eleitoral. Foi na Renânia, onde nasci, para um prefeito ambicioso. Ele pertencia ao partido conservador, o que para mim era natural. Minha família de origem é muito católica e muito conservadora. Fizemos uma campanha excelente. Imprimimos até mesmo um pequeno jornal local, com notícias da cidade e do campo, e com um herói em todas elas: o prefeito com um sorriso largo. Ainda me lembro que ele tinha uma falha nos dentes muito feia, e, na época, não havia photoshop. Retoquei com uma faca e tirei um pouco da cor preta de todas as fotos. Assim, os dentes ficaram brancos.

Quando se fica profundamente envolvido numa campanha política, a cabeça sai completamente do lugar. Fica-se com a ideia fixa no candidato de sua própria facção. Na época, até quando sonhava eu o via. E, principalmente: estava obcecado com seu oponente político! O candidato da oposição era um pensionista gorducho do partido dos trabalhadores, mas, para mim, ele parecia um demônio. Cada ataque retórico, cada cartaz da campanha, cada sugestão política populista: eu levava tudo para o lado pessoal e alinhava o homem junto com Pol Pot, Mao e Idi Amin.

Certa noite o inimigo apareceu à minha porta. Pela janela da casa de meus pais eu podia vê-lo, o candidato do partido dos trabalhadores, com prospectos coloridos sob o braço e seu dedo na campainha. O demônio entrou e me cumprimentou pela excelente campanha eleitoral. Fez umas brincadeiras e tomou um copo de cerveja. Deixou os prospectos e me ensinou, sem que conversássemos a respeito, que confrontos políticos não precisam ser pessoais.

Ok, que discurso comprido, há duas semanas atrás divulguei uma pequena entrevista com a Dilma Rousseff no Die ZEIT, o jornal alemão para o qual trabalho. A DW Brasil publicou alguns trechos depois, e na seção de comentários no Facebook e afins choveu uma torrente infernal de xingamentos. É sempre assim quando o nome Dilma aparece.

Havia aproximadamente 2 milhões de interações. "Apoiam um apedeuta mentiroso, inepto, corrupto e condenado" (Henrique). ("Ex-PresidAnta empixada") Nilson. "Lunática" (Patrícia). "Dilmanta nojenta filha da putaaaaaaaah!!!!!!!!" (Luna). "Terrorista, analfabeta que não sabe concluir uma frase com coerência" (Flavio). "Vaca" (Dante). "Acabou o remédio dessa senhora?", perguntou Camila. "Espero que dá cadeia!", opinou Danilo. "Bandilma Terrorista Rousseff", escreveu Milena.

Vi alguns, mas poucos comentários que soassem objetivos e críticos: sobre a política econômica dispendiosa de Dilma, por exemplo, ou sobre o conceito problemático de "golpe". Ocasionalmente, li algo com humor: "Leva pra Alemanha e deixa ela dirigir a seleção de futebol" (Lisarb). Alguns comentários eram fantasias de violência, outros exigiam que a ex-presidente fosse sentenciada ao silêncio: "O problema não é ela falar, o problema é darem ouvidos", escreveu um tal de Margolf.

O que aconteceu com a discussão política? As pessoas estão chegando à idade mental que eu tinha nos meus exatos 19 anos, obcecado por um candidato à prefeito de dentes ruins? No caso delas, também seria preciso que um gorducho do partido dos trabalhadores alemão aparecesse para que pudessem, juntos, darem boas risadas?

Obviamente, a obsessão neurótica em questões políticas não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Na Alemanha também foi assim na eleição mais recente de Angela Merkel. A Kanzlerin foi interrompida por assovios de opositores em seus discursos nos eventos eleitorais, de forma que ninguém mais pudesse compreendê-la, e xingada de forma muito pessoal. "Terrorista" e "traidora" era o que diziam, seu rosto foi transformado para que se parecesse com o de Hitler e, em fotos de corpo inteiro, fizeram montagens pornográficas, impregnadas de fantasias sexuais e de violência. O sexismo contra a chanceler – que é um outro grande tema – vinha por parte tanto de homens como de mulheres. Sei que, aqui no Brasil, também foi assim com a Dilma.

Me pergunto como sair disso. Já ficou claro para mim que uma figura como a de Dilma Rousseff provoca algumas pessoas: ela tem esse jeito durão, não fala de modo diplomático e algumas vezes é até mesmo prepotente e ferina. As pessoas não gostam disso quando divergem politicamente – especialmente quando se é governado por anos por uma pessoa e, no final, o país entra numa crise econômica. Mas isso é motivo para fazer de cada discurso de Dilma um concurso para saber quem consegue xingar mais alto e com palavras mais pesadas? É uma coisa boa quando ninguém mais pode ouvir os seus argumentos? Isso não é oposição, é somente uma provocação que leva a tropeços e violência.

Quando entrevistei Dilma (não pela primeira vez), eu fiz perguntas críticas. Não concordei com todas as suas opiniões. Mas fiquei impressionado (também não pela primeira vez) quando a conversa rumava para os problemas do país. Para as necessidades das crianças pobres, a problemática da aposentadoria, a política habitacional, vacinas, educação nas escolas públicas, falta de médicos na periferia de São Paulo, a incidência de diabetes entre as pessoas pobres, etecetera. A ex-presidente conhece todos os detalhes, as cifras, dados e fatos. Ela é uma nerd da política. Ela certamente se engana às vezes, mas tem algo para contribuir, e com certeza o povo brasileiro mora em seu coração.

Não sou brasileiro, este não é o meu país. Como forasteiro me pergunto: será que não se poderia moldar a política de forma muito melhor se ambos os lados pelo menos ouvissem um ao outro e trocassem ideias? Isso também é válido para os petistas mais radicais, que rejeitam as reformas econômicas do governo de Michel Temer na economia e nos direitos trabalhistas sem sequer compreendê-las. Para eles, tudo o que acontece é visto, automaticamente, como parte do "golpe".

A propósito: naquela época, na Renânia, o candidato do partido dos trabalhadores ganhou as eleições. Acho que não exerceu bem o seu mandato. Nas áreas industriais não aconteceu nenhuma melhora. Em vez disso, ele desenvolveu uma verdadeira obsessão por placas de trânsito e limites de velocidade em toda a região. O mundo não acabou por causa disso, e a democracia da Renânia sobreviveu. Quatro anos mais tarde, o "meu" candidato, com seu sorriso largo, ganhou.