Pé na Praia: Garimpo na Amazônia
1 de setembro de 2016Às sete horas da manhã começa o café no Bar Emoções. O dono, um tipo pequeno e gorducho, serve uísque no balcão. Estamos sentados em um povoado que tem como único acesso uma pista de lama para pouso de avião, no meio da Floresta Amazônica. Aqui há casas de madeira, uma mercearia, bares e bordéis. Tem confusão de vez em quando no bar? Brigas, por exemplo? "Naaaaauumm", diz o dono do bar e sorri. Dá para ver que ele não possui mais os dentes caninos. Aqui faz três anos que não tem um homicídio sequer.
Uma coisa fica bem clara: não tem muitos "gringos" que vêm aqui. Para as pessoas desse lugarejo, sou o visitante vindo de Marte. Assim como também não estou me sentindo no meu planeta. O lugar é um acampamento de garimpeiros. Do ar dava para vislumbrar a pista de pouso e em seu redor um pequeno inferno: árvores serradas e quebradas, buracos de tratores e poços cheios de água suja. Algumas centenas de garimpeiros cavam no chão da floresta, acampam debaixo de tendas brancas e protegem armados a sua escavação de ouro.
O aglomerado é ilegal: vai contra várias leis brasileiras. Não é permitido simplesmente chegar e ir procurando por ouro ou diamantes e destruir as árvores. Mas o Estado raramente aparece por aqui e, se aparece, os garimpeiros retornam em pouco tempo. Eles se veem como cães dos infernos, para os quais não há leis nesta terra. Alguns estão aqui porque são procurados pela polícia em outros lugares do país.
Um bêbado cambaleia para seu café da manhã no Bar Emoções. "Hey, garimpeiros!" chama. Quer pedir dinheiro emprestado, os homens no balcão acenam para ele. "Ele tem que parar de beber e voltar ao trabalho", diz o dono. "Caso triste. Atirou na sua mulher e nos filhos."
Eu gostaria de entender se estes homens levam realmente uma vida sem lei. "Vocês acreditam realmente ter encontrado a liberdade aqui?" A vida no garimpo, assim descobri na minha estadia, é excepcionalmente dura. Cavar, colocar a mangueira da bomba, operar máquinas pesadas, tudo isso numa lama com cheiro podre sob o sol escaldante da Amazônia.
Quem não quiser trabalhar ou não puder trabalhar por causa da malária fica rapidamente sem dinheiro. Quem trabalha, precisa, além da perseverança, de sorte. Um garimpeiro pode não ganhar nada por semanas ou obter num só golpe 2 mil, 3 mil reais. A maioria deles gasta tudo rapidamente com bebida e prostitutas.
"Existe uma regra clara entre nós", afirma um garimpeiro mais velho, que veio se juntar a mim no bar. Ele procura ouro há anos aqui. Por exemplo, não se deve andar de sapatos sobre o ouro. Isso é uma superstição antiga que ninguém consegue explicar direito. E não se deve dormir em redes de outras pessoas, isso só traz problemas.
Quem não paga as prostitutas ou não tem por elas o devido respeito, tem que partir. As pessoas dizem que esses valentões dão azar. O ouro acaba logo. (Faz-se uma exceção de cortesia para pais de família e evangélicos.) Não se deve chamar ninguém de amigo, e sobretudo não vingar ninguém, se ele for esfaqueado ou baleado. Sábia regra para se evitar a escalada da violência.
Mas também vale: onde há sangue derramado, tiros nos bares e assaltos entre os garimpeiros – as pessoas pegam suas coisas e se mudam para lá. Para os garimpeiros no Amazonas é assim: se as pessoas brigam, é porque deve haver muito ouro.
Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão Die Zeitna América do Sul. Na coluna Pé na praia,publicada às quartas-feiras na DW Brasil, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens pelo Brasil. É possível segui-lo no Twitter e no Instagram: @strandreporter.