Um médico formado pela USP que deseja tudo menos atuar no SUS. Um advogado formado pela UFRJ que torce o nariz quando recebe alguma demanda social. Um jornalista formado pela UFSC que ignora todas as sugestões de pautas de projetos sociais.
As frases acima não se referem a indivíduos específicos, e muito menos é uma crítica às universidades mencionadas, mas decidi começar o texto com elas para ilustrar a preocupação que motivou a escrita da coluna desta semana: que tipo de profissionais estamos formando em nossas universidades públicas?
Não me refiro, aqui neste recorte, à solidez da formação teórica. Até porque está mais do que provada a qualidade no ensino e pesquisa das universidades públicas brasileiras. Minha preocupação é se estamos ou não formando profissionais que irão atuar de forma humana, ética e com responsabilidade social.
Minha indagação é válida e aqui cabe uma breve contextualização. Vivemos num país incrivelmente desigual, com cerca de 154 universidades públicas e estas são mantidas via impostos, ou seja: todos pagam. No entanto, a composição de discentes ainda é elitista e estamos longe de equidade.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, 88% dos jovens brasileiros cursam o ensino médio brasileiro num colégio público e apenas 12% num colégio privado. Já nas universidades foi preciso inúmeras políticas de inclusão e democratização do acesso para que hoje alguns cursos possam se orgulhar de ter 50% ou mais dos discentes oriundos da rede pública.
Portanto, independente da origem na educação básica, ter o diploma de uma universidade pública é sim um grande privilégio e traz, quer o egresso queira ou não, uma responsabilidade com a sociedade, com o desenvolvimento do país e com a diminuição de nossas desigualdades.
Comissão de responsabilidade social
Nossas instituições têm uma atuação ativa no desenvolvimento do Brasil. Elas fazem isso através da produção acadêmica e também, claro, da formação acadêmica. No entanto, temo que o potencial pleno que possuem seja minado em um contexto em que os egressos não estejam alinhados com a missão de suas universidades. Isso pode e deve ser uma preocupação das instituições de ensino superior.
Dado todo o exposto, partindo também, claro, de uma motivação pessoal enquanto frente de uma ação social, comecei a ter algumas ideias. Bom, na verdade, elas se enquadram numa grande ideia: acredito que poderia haver alguma espécie de pró-reitoria ou comissão de responsabilidade social dentro de cada universidade pública.
É algo que já ocorre em grandes empresas. Sei que, no contexto empresarial, muitas vezes acaba sendo por pura estratégia que visa aumentar o valor de mercado, mas isso não invalida a proposta. Tive a oportunidade de participar de alguns eventos organizados pela área de valor social da TV Globo e afirmo aqui com segurança: há, nos bastidores, profissionais super bacanas e que são genuínos na missão de transformação social.
Por que não fazer o mesmo nas universidades? Claro, sei que não são empresas privadas e que requer adaptações para o contexto e missão dessas instituições, mas sinto no meu coração que é uma ideia válida e necessária.
Sou recém-formado em economia pela USP, estou prestes a ingressar no mestrado em políticas públicas e estou há sete anos à frente de uma ação social de educação, que começou regional e hoje está em todo o país. Se alguma universidade ver a ideia com bons olhos, quero sinalizar que estou 100% disponível para ajudar enquanto um consultor.
A proposta é que a área em questão tenha como missão a criação de instrumentos que visem, ao longo da jornada acadêmica, provocar os discentes sobre a importância de terem uma atuação profissional mais ética, humana, com responsabilidade social e fazê-los entender o dever que têm para com a sociedade por estarem numa instituição de ensino superior pública.
Aqui é interessante. Não estou dizendo que, enquanto profissionais atuantes, precisam necessariamente fazer doações financeiras para causas e instituições. Também não estou dizendo que precisam ser voluntários. Não é nada disso.
Atuação mais humana
Acredito, fortemente, que é possível combinar pretensões pessoais e profissionais individuais com uma atuação mais humana. Independentemente da área e do cotidiano da profissão, há inúmeras formas de atuar como eu acredito que seja o modelo ideal e passa por ações tão simples quanto ter uma empatia genuína, ouvir os outros com atenção e ter um radar atento para a responsabilidade social.
Sei que não podemos obrigar ninguém a ser empático. Ouvi, semana passada, uma psicóloga explicando que não nascemos racistas ou preconceituosos. Também não nascemos egoístas ou não empáticos. A sociedade nos torna assim. Vivemos numa era individualista. Falo com propriedade de causa: não somos empáticos como tanto gostamos de acreditar que somos. Ao receber um pedido de ajuda, salvo exceções, buscamos razões para não ajudar e não o contrário.
Nesse contexto, há margem para provocações nesse sentido dentro de nossas formações acadêmicas. O que temos hoje é um ou outro professor que nos provoca nesse sentido, mas penso que é pouco. É necessário uma área dentro de cada universidade para se preocupar apenas com isso e institucionalizar políticas.
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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1
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