Referendo sobre reprodução assistida fracassa na Itália
13 de junho de 2005Pode-se dizer que bispos e cardinais em Roma saíram vitoriosos das urnas. Pois a Igreja Católica havia aconselhado a população italiana a ficar em casa ao invés de dar o aval à modificação da lei sobre a reprodução assistida e pesquisas envolvendo células-tronco no país. Diante do reduzido número de votantes, o referendo realmente fracassou.
O eleitorado havia sido convidado a decidir se casais que optam pela reprodução assistida poderiam passar a recorrer a bancos de esperma. Além disso, o referendo pretendia definir a necessidade de manter limitado a três o número de embriões produzidos, que podem ser implantados na mulher sem diagnóstico prévio. Outra questão dizia respeito às atuais limitações nas pesquisas envolvendo células-tronco.
Dando ouvidos à Igreja?
Apenas com um índice de participação de no mínimo 50% da população teria sido possível modificar as leis no país. De acordo com a mídia local, não apenas a postura contrária da Igreja, mas também um clima de decepção com a classe política provocou o desinteresse do eleitorado em relação ao assunto.
"A Igreja nunca atuou de forma tão presente e decisiva", reclama Stefania Prestigiacomo, ministra italina para a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Prestigiacomo é uma das poucas vozes do governo que se pronunciaram a favor de um relaxamento das regras rígidas que regulamentam a reprodução assistida no país.
A Igreja Católica, por sua vez, moveu uma campanha com todas as forças contra a participação popular na decisão, apelando para o argumento de que "a vida humana não pode ser exposta a um referendo". Da campanha fizeram parte cartazes nos quais se lê a frase também eles teriam dito sim, ao lado de fotos de oficiais nazistas. Até mesmo em pequenas comunidades no interior do país houve mobilização de forças contra o referendo.
Bispos envolvem-se em questões políticas
O diário La Repubblica comentou o início de "uma nova fase" na política italiana, aludindo ao fato de que, nas últimas décadas, esta foi a primeira vez em que a Igreja ousou intrometer-se de forma tão veemente em assuntos de ordem política. E ainda contando, para isso, com o aval do Vaticano. "Isso havia acontecido apenas nos referendos históricos sobre o divórcio e o aborto", observa o jornal.
Os lendários referendos causaram convulsões no país em 1974 e 1981 respectivamente. Desde então, reinou na Itália uma espécie de "coexistência pacífica" entre Estado e Igreja. Embora religiosos e clérigos façam uso de temas políticos em seus sermões, não tem sido de praxe que a Igreja mobilize forças em prol de causas públicas. Questiona-se até que ponto a linha dura do novo papa Bento 16 pode ter influenciado a conduta da Igreja neste sentido.
Berlusconi: assunto muito complicado
Outro fator que pode ter levado ao fracasso do referendo é a omissão de boa parte da classe política em relação ao tema. O premiê Silvio Berlusconi nem se deu ao trabalho de se locomover às urnas. "As questões giram em torno de um assunto muito técnico e complexo", desculpou-se.
A complexidade do assunto pode ter sido, diga-se de passagem, um dos fatores que levaram à baixa participação dos italianos no referendo. Experiências com embriões, pesquisa genética e clonagem humana são temas sobre os quais o cidadão normal não dispõe de informações suficientes para emitir uma opinião segura.
A ministra Stefania Prestigiacomo teme, com isso, que a Igreja tenha conseguido adeptos para seus preceitos, criando lacunas que poderiam levar até mesmo a um acirramento das leis hoje liberais que regulamentam o direito ao aborto no país.