Revirando o lixo contra o desperdício
27 de maio de 2015Luis, de 27 anos, mora na cidade de Erlangen, na Baviera. Colombiano, ele divide um apartamento com outros quatro estudantes – e não se envergonha de dizer o que faz quando a geladeira de casa começa a esvaziar: mergulha no lixo.
Pelo menos duas vezes por mês, os estudantes vasculham caçambas de lixo de supermercados da cidade. Dotados de luvas plásticas, sacolas e lanternas, eles abrem o tonel para coletar montes de carne grelhada, quilos de arroz, salsichas, pães e frutas.
"A Alemanha é um país tão rico que até no lixo dá para encontrar comida boa", conta Luis.
Nos últimos anos, aproveitar comida descartada se tornou um verdadeiro movimento, conhecido como "freeganismo" e que conta com cada vez mais adeptos na Alemanha.
"A razão pela qual grande parte da comida é jogada fora é por falhas nas embalagens ou porque o produto excedeu a data de validade. Depois disso, os supermercados não são mais autorizados a vendê-la", diz Lara, que divide apartamento com Luis.
Estima-se que os alemães joguem fora 11 milhões de toneladas de alimento por ano, quantidade equivalente a mais de 20 bilhões de euros. Na França, o Parlamento aprovou recentemente uma lei proibindo supermercados de destruir comida não vendida.
Mercados alertam para risco
Para grandes comerciantes, o problema do desperdício de comida gera uma série de questionamentos incômodos. Maior rede varejista alemã, a Aldi, procurada pela reportagem da Deutsche Welle, preferiu não se manifestar.
A Lidl, porém, disse que "geralmente luta para evitar o desperdício de produtos alimentícios" e que alimentos seguros para o consumo são doados para restaurantes populares, que distribuem refeições para de graças ou a preço módico.
Thomas Bonrath, da rede de supermercados Rewe, que tem mais de 3 mil lojas na Alemanha, afirma desconhecer problemas significativos com os "freeganos". Mas alerta que "essas pessoas nem sempre estão aptas a determinar se os produtos com data de validade vencida ainda são comestíveis".
A rede de mercados Kaufland se manifestou de forma parecida: "Estamos cientes de todas as pessoas não autorizadas que coletam produtos alimentícios no lixo. Entretanto, advertimos fortemente contra isso, porque não podemos ser responsáveis por qualquer tipo de risco à saúde."
Movimento silencioso
Enquanto as empresas alertam e posicionam-se contra a ação, os estudantes de Erlangen não compram a ideia. Dizem que o estilo de vida que levam é a prova de que o descarte de comida é um desperdício.
O argumento é de que pelo fato de nutrirem-se a partir do lixo, a segurança alimentar é essencial. Primeiramente, diferenciam e isolam o que é comestível do que pode ser prejudicial. Alimentos mofados voltam para o lixo, enquanto o restante é limpo e colocado na geladeira.
Ainda assim, eles estão a par de que comer a partir do lixo é considerado inusitado, no mínimo. Muitos nem mesmo comentam com o pai ou com a mãe a respeito.
Kerstin, de 24 anos, estudante de engenharia elétrica, diz que os pais ficaram horrorizados quando ela comentou sobre as caçambas. Eles não entenderam o fato de que isso não seria por falta de escolha, afirmou. Hoje, a jovem conta que não toca mais no assunto.
Churrasco para 15
Apesar de existir há anos, o "freeganismo" ainda é cheio de incertezas. De acordo com a lei alemã, remover comida a partir de uma lata de lixo fechada é considerado crime. Se o recipiente está aberto e tem fácil acesso, é invasão de propriedade.
Ainda assim, quem for flagrado "mergulhando" nas caçambas dificilmente precisa temer uma grande punição. Certa vez, Nadja, uma das colegas de apartamento de Luis, e uma amiga foram pegas por um empregado de um supermercado. Quando a polícia chegou, nem mesmo registrou ocorrência.
Outra prioridade: deixar tudo no lugar. Os "freeganos" organizam o lixo nos recipientes para que ninguém perceba que estiveram no local.
"É tanta coisa que, às vezes, podemos fazer uma festa", diz Luis, lembrando que, certa vez, ele e outros jovens encontraram carne suficiente para um churrasco para até 15 pessoas.
O pesquisador Benjamin Brestle contribuiu para a reportagem.