1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Schröder, Merkel e a ópera que se chama governo

Michael Köhler (sv)18 de setembro de 2005

A política vai além de leis e campanhas eleitorais, vivendo de representação, glamour e auto-encenação. Será que todo governo pode ser visto como uma ópera e que na Alemanha esta terá um fim trágico para Schröder?

https://p.dw.com/p/7BgV
Schröder e Merkel: ópera wagnerianaFoto: dpa - Bildarchiv

"Não se deve deixar levar por pensamentos sobre o fim", disse Gerhard Schröder certa vez. Mas será que ele estava falando sério? "Despedir-se é para ele uma diversão", diz Norbert Seitz, que acaba de publicar um livro sobre o atual chanceler federal alemão e as artes. O escritor nomeia dois fatores que caracterizaram Schröder como chefe de governo: a arte e a representação no cenário político internacional, ou seja, a beleza e o poder.

Ingredientes de um grande teatro, de uma ópera em grande estilo. "Ele celebra sua predileção pela arte em detrimento de atos como sentar-se com algum representante de uma câmara de comércio, para discutir como criar empregos para jovens. Isso mostra como a encenação teatral é priorizada", teoriza Seitz.

Primeiro ato: O charme do herói

Wahl Fernsehduell Merkel - Schröder Gerhard Schröder
Schröder em campanha eleitoralFoto: AP

Essa força da imagem remete a um arquétipo alemão: Wotan, do Anel dos Nibelungos, ópera de Richard Wagner. O deus-pai impotente, que faz uso da ajuda alheia para completar sua obra. Mas, no fim, não consegue finalizar aquilo a que se propôs. Na ópera de Wagner, ele canta algo como "tudo que construí se desmorona. Desisto de minha obra. Só quero uma coisa: o fim, o fim". Frases que lembram Schröder e seu voto de confiança.

Também Norbert Bolz, pesquisador em Comunicação Social, afirma que o aspecto estético da política se põe à frente das negociações políticas em si: "A auto-encenação, a entrada do glamour, a aparição presunçosa, tudo isso é novo. Toda a dimensão estética só veio a ser descoberta no país por este governo social-democrata-verde".

CDU-Anhaenger und -Delegierte halten Schilder waehrend der Eroeffnung des CDU-Wahlparteitags in der Westfalenhalle in Dortmund, Sonntag, 28. August 2005, hoch
Cartazes de campanha por MerkelFoto: AP

Trata-se de uma questão que vai além da simples encenação, de ternos de políticos cortados por alfaiates particulares e de um show para ser aplaudido. O político ganha ares de ópera, drama e teatro – aspectos que vão além das arenas alaranjadas da campanha eleitoral.

A impressão que fica é a de que se trata de um acontecimento pop, com direito a estádios cheios e balões coloridos. O cantor popular Roland Kaiser canta para Schröder, enquanto a canção dos Rolling Stones Angie é usada pelos fãs da candidata Angela Merkel.

O que acontece no segundo e terceiro atos da encenação? Clique ao lado para continuar a ler.

Segundo ato: Honestidade encenada

"Quero que avaliem o meu governo depois de quatro anos através de uma única questão: se teremos conseguido reduzir o desemprego", afirmou Schröder depois de vencer as últimas eleições. A resposta à pergunta hoje é "não". Seitz acredita que há aí um "desmoronamento da ética da promessa. Não se acredita então em mais nada".

Para o comunicador Bolz a questão primordial é: em quem se pode confiar? "A confiança toma o lugar da competência do especialista. Como os políticos podem, agora, se esforçar para ganhar essa confiança? Somente através de uma sinceridade encenada."

Wetten, dass...?
Schröder em programa popular de TV do apresentador Thomas GottschalkFoto: AP

Schröder foi o primeiro chanceler federal a participar de programas de TV. Para Bolz, questões pertinentes ao governo foram relegadas a segundo plano, em proveito de uma imagem criada para a política deste mesmo governo. Os atos políticos foram esquecidos, a imagem foi para o palco.

Terceiro ato: Crepúsculo dos deuses

Claro é que haverá mudanças. A questão que se coloca ao fim da ópera Crepúsculo dos Deuses, da tetralogia Anel do Nibelungo de Wagner – se o mundo acaba ou apenas um mundo – é muito maior que a política. Não se trata do fim dos tempos, porém de um fim. O fim de um projeto social-democrata-verde e possivelmente do início de um novo. De qualquer forma, uma ópera chega ao fim. Como a Wotan, falta ao chanceler federal a liberdade de ação. Ele não consegue parar de desistir.

Quando se compara Schröder a Wotan, pensa-se em associar Angela Merkel a Fricka, personagem da mesma ópera – a guardiã da fidelidade e dos contratos. "A analogia Angela-Fricka se impõe", diz Seitz. Mas é muito difícil fazer sucesso com ela. Não acredito que se possa conquistar autenticidade dizendo que se quer servir à Alemanha".

Bolz, porém, credita a Merkel a capacidade de ter percebido o nicho ecológico que lhe cabe no grande teatro do político: o contraponto ao glamour verde-social-democrata. "A falta de perspicácia de Merkel, sua feiúra, todas essas são, na verdade, características positivas para as necessidades de um novo Biedermeier [movimento do início do século 19, associado ao conservadorismo e à resignação política da burguesia]".

O eleitor se vê, de fato, frente à encenação de uma ópera. "Na posição de espectador estético da cena, o que se vê é, de fato, um crespúsculo dos deuses. E só depois é que vêm de novo os cidadãos".