Schröder, Merkel e a ópera que se chama governo
18 de setembro de 2005"Não se deve deixar levar por pensamentos sobre o fim", disse Gerhard Schröder certa vez. Mas será que ele estava falando sério? "Despedir-se é para ele uma diversão", diz Norbert Seitz, que acaba de publicar um livro sobre o atual chanceler federal alemão e as artes. O escritor nomeia dois fatores que caracterizaram Schröder como chefe de governo: a arte e a representação no cenário político internacional, ou seja, a beleza e o poder.
Ingredientes de um grande teatro, de uma ópera em grande estilo. "Ele celebra sua predileção pela arte em detrimento de atos como sentar-se com algum representante de uma câmara de comércio, para discutir como criar empregos para jovens. Isso mostra como a encenação teatral é priorizada", teoriza Seitz.
Primeiro ato: O charme do herói
Essa força da imagem remete a um arquétipo alemão: Wotan, do Anel dos Nibelungos, ópera de Richard Wagner. O deus-pai impotente, que faz uso da ajuda alheia para completar sua obra. Mas, no fim, não consegue finalizar aquilo a que se propôs. Na ópera de Wagner, ele canta algo como "tudo que construí se desmorona. Desisto de minha obra. Só quero uma coisa: o fim, o fim". Frases que lembram Schröder e seu voto de confiança.
Também Norbert Bolz, pesquisador em Comunicação Social, afirma que o aspecto estético da política se põe à frente das negociações políticas em si: "A auto-encenação, a entrada do glamour, a aparição presunçosa, tudo isso é novo. Toda a dimensão estética só veio a ser descoberta no país por este governo social-democrata-verde".
Trata-se de uma questão que vai além da simples encenação, de ternos de políticos cortados por alfaiates particulares e de um show para ser aplaudido. O político ganha ares de ópera, drama e teatro – aspectos que vão além das arenas alaranjadas da campanha eleitoral.
A impressão que fica é a de que se trata de um acontecimento pop, com direito a estádios cheios e balões coloridos. O cantor popular Roland Kaiser canta para Schröder, enquanto a canção dos Rolling Stones Angie é usada pelos fãs da candidata Angela Merkel.
O que acontece no segundo e terceiro atos da encenação? Clique ao lado para continuar a ler.
Segundo ato: Honestidade encenada
"Quero que avaliem o meu governo depois de quatro anos através de uma única questão: se teremos conseguido reduzir o desemprego", afirmou Schröder depois de vencer as últimas eleições. A resposta à pergunta hoje é "não". Seitz acredita que há aí um "desmoronamento da ética da promessa. Não se acredita então em mais nada".
Para o comunicador Bolz a questão primordial é: em quem se pode confiar? "A confiança toma o lugar da competência do especialista. Como os políticos podem, agora, se esforçar para ganhar essa confiança? Somente através de uma sinceridade encenada."
Schröder foi o primeiro chanceler federal a participar de programas de TV. Para Bolz, questões pertinentes ao governo foram relegadas a segundo plano, em proveito de uma imagem criada para a política deste mesmo governo. Os atos políticos foram esquecidos, a imagem foi para o palco.
Terceiro ato: Crepúsculo dos deuses
Claro é que haverá mudanças. A questão que se coloca ao fim da ópera Crepúsculo dos Deuses, da tetralogia Anel do Nibelungo de Wagner – se o mundo acaba ou apenas um mundo – é muito maior que a política. Não se trata do fim dos tempos, porém de um fim. O fim de um projeto social-democrata-verde e possivelmente do início de um novo. De qualquer forma, uma ópera chega ao fim. Como a Wotan, falta ao chanceler federal a liberdade de ação. Ele não consegue parar de desistir.
Quando se compara Schröder a Wotan, pensa-se em associar Angela Merkel a Fricka, personagem da mesma ópera – a guardiã da fidelidade e dos contratos. "A analogia Angela-Fricka se impõe", diz Seitz. Mas é muito difícil fazer sucesso com ela. Não acredito que se possa conquistar autenticidade dizendo que se quer servir à Alemanha".
Bolz, porém, credita a Merkel a capacidade de ter percebido o nicho ecológico que lhe cabe no grande teatro do político: o contraponto ao glamour verde-social-democrata. "A falta de perspicácia de Merkel, sua feiúra, todas essas são, na verdade, características positivas para as necessidades de um novo Biedermeier [movimento do início do século 19, associado ao conservadorismo e à resignação política da burguesia]".
O eleitor se vê, de fato, frente à encenação de uma ópera. "Na posição de espectador estético da cena, o que se vê é, de fato, um crespúsculo dos deuses. E só depois é que vêm de novo os cidadãos".