Sequestro de premiê evidencia caos político na Líbia
11 de outubro de 2013Os acontecimentos da última quinta-feira (10/10) em Trípoli podem parecer um tanto bizarros, mas a gravidade dos fatos é inegável. O rapto do primeiro-ministro Ali Zeidan no início da madrugada – libertado horas mais tarde – é um sinal do aprofundamento da crise política que se instalou no país desde a formação do novo governo, no ano passado. Os políticos, no entanto, se esforçam para manter as aparências de uma democracia em pleno funcionamento.
A milícia que sequestrou Zeidan – o Célula de Operações dos Revolucionários Líbios – presta serviços ao ministério do Interior e da Defesa. Assim como outras facções de combatentes que lutaram para derrubar o ditador Muammar Kadafi, o grupo foi incoporado ao novo sistema político.
As primeiras declarações após o sequestro já deixaram evidentes as diferenças entre as principais figuras políticas do país. O líder do Parlamento e chefe de Estado interino de fato, Nuri Busahmein, defendeu a existência da célula, enquanto Zeidan afirmou que não iria renunciar em razão da pressão de seus adversários.
Petróleo e corrupção
O governo negou o argumento da milícia para justificar a retenção de Zeidan, de que haveria um mandado de prisão para o primeiro-ministro. Uma das acusações contra Zeidan levantadas pela célula se refere a um escândalo político em que o governo teria tentado subornar rebeldes.
Um grupo de milícias ocupa desde agosto instalações de petróleo no leste do país e já chegou a declarar a independência da região. Durante as negociações, o líder dos rebeldes alegou que o governo tentou suborná-los com 18 milhões de euros. Ainda é incerto o grau de implicação do governo no caso, mas, de qualquer modo, acabou sendo um golpe duro em sua credibilidade.
Segundo observadores, por trás do rapto do primeiro-ministro estaria de fato uma disputa pelo poder. Serviu também como um alerta para Zeidan, uma vez que muitos líbios entendem que ele não foi suficientemente enérgico ao responder à ação das forças americanas em seu país na semana passada, quando capturaram o suposto líder da Al Qaeda Nasih al-Rukaji, conhecido como Abu Anas al-Libi.
Parceiros hostis
De modo geral, o gabinete de Zeidan é frágil. Os dois maiores partidos no Parlamento e parceiros de coalizão – a Alianca Nacional NFA, mais liberal, e o JPC, emergido da Irmandade Muçulmana – têm dificuldades em dividir o poder e trabalham sob pressão cada vez maior de forças externas aos partidos.
As duas legendas costumam se digladiar nos debates políticos, como na questão da chamada Lei do Isolamento, que exclui membros do antigo regime, do qual muitos na NFA faziam parte. Outra questão polêmica se refere ao papel do islã na futura Constituição do país. As divergências são tantas que o governo está virtualmente paralisado desde sua instalação.
Por diversas vezes, milícias ocuparam edifícios do Parlamento ou de ministérios até que a lei do isolamento fosse finalmente aprovada, trazendo muitos benefícios aos islamistas. Nesse caso, os partidos majoritários se ausentaram de modo alternado por razões estratégicas, para que o Congresso não tivesse quórum suficiente para as votações. Os problemas estão também na formação da Assembleia Constituinte, onde a luta é pelo equilíbrio regional. Até agora, esse processo está em suspenso.
Frentes regionais
As forças políticas e militares estão intimamente relacionadas, e extrapolam a crise do governo. A Aliança Nacional é apoiada principalmente pelos povos bérberes da pequena região de Zintan, e seu conselho militar.
Zintan se destacou como foco de resistência durante a revolucão, e seus líderes agora controlam grande parte do oeste do país. Eles acreditam que a Irmandade Muçulmana e os salafistas representam o perigo maior.
É difícil classificar a oposição, de maioria islamista. Trata-se de um ajuntamento de forças mais ou menos radicais, nas quais predominam a antiga oposição ao regime de Kadafi, os rebeldes de Misrata e dos distritos da parte oeste de Trípoli.
"Não há um frente de batalha definida, mas os confrontos entre leste o oeste já emergiram na capital", explica o coronel Mohamed Khabasha, presidente do conselho militar em Zintan. Seu círculo de influência, desde a revolução, inclui, entre outras partes da cidade, o aeroporto de Trípoli.
As forças do oeste da capital se concentram no porto de Misrata, que, instigado pelo fervor revolucionário, reforça as pressões sobre o governo. "Somos a força militar mais importante do oeste da Líbia, portanto, os únicos que podem proteger o congresso", explicou o político local Mohamed Fortia. "Juntamente com nossos aliados, iremos dissolver as milícias criminosas e levar o governo de Zeidan à renúncia."
O grupo de Fortia também foi parcialmente incorporado no regime atual. Assim como a Célula de Operações dos Revolucionários Líbios e as forças de Misrata, a milícia foi encarregada da segurança da capital.
A medida foi precedida pela renúncia do vice-premiê Awad al-Baarasi no início de agosto. Após uma onda de ataques, ele havia afirmado que o governo de Zeidan era incapaz de manter a lei e a ordem.
Catástrofe na segurança
A situação da segurança tem se deteriorado progressivamente em diversas áreas. Obviamente, no oeste, onde facções políticas guerreiam entre si, mas também em Bengazi, onde as milícias promovem livremente extorsões e assassinatos.
Tais diferenças impedem a formação de um Exército nacional. O governo é amplamente visto como um fracasso – prevalece a perspectiva de que a crise não poderá ser resolvida através dos partidos políticos vigentes.
No entanto, o único fator positivo parece ser a solidariedade da população com o primeiro-ministro. Ativistas classificaram o sequestro de Zeidan como uma tentativa de golpe, e um grupo de apoio ao premiê na internet ganhou milhares de seguidores em poucas horas.