Solidariedade com refugiados inspira "despalavra do ano"
12 de janeiro de 2016A cada ano, na cidade de Darmstadt, um júri elege a "despalavra" alemã do ano. A "ação de crítica linguística" visa isolar conceitos que – por vezes despercebidos pela população e a mídia – se destacaram pelo uso pejorativo, politicamente incorreto ou discriminatório.
Anunciada nesta terça-feira (12/11), em 2015 a "honra" coube a Gutmensch – "gente boazinha". Embora composta por dois termos perfeitamente corriqueiros – gut (bom) e Mensch (ser humano) –, a assimilação de ambos num único substantivo adiciona uma conotação de desprezo e malícia à mais nova "despalavra".
Foi inegavelmente com essa intenção que ela despontou repetidamente nas discussões sobre a onda de migrantes no país. Como explicou a professora Nina Janich, presidente do júri e porta-voz da "ação linguística", ao tachá-los de Gutmenschen, os detratores dos muitos cidadãos que se engajam nos abrigos para refugiados, investindo o próprio tempo, energia, dinheiro e disponibilidade emocional, os reduzem a gente simplória, com síndrome de bom samaritano.
Dos meios extremistas para as manchetes
Assim como os aparentados Gutbürger e Gutmenschentum, a "despalavra" de 2015 já não se confina mais ao uso como "conceito de guerra" nos meios populistas de direita, apontou o júri composto por quatro linguistas, um jornalista e um humorista.
Jornalistas de veículos consagrados passaram a adotar tais conceitos até mesmo em suas manchetes, como "crítica indiscriminada" às ações de solidariedade aos refugiados. Entre outros efeitos, tal emprego impede um "intercâmbio democrático de argumentos objetivos".
O termo não é inédito na ação promovida por uma associação independente: em 2011 ele já figurara em segundo lugar na votação. No entanto, o atual debate sobre o afluxo migratório voltou a colocá-lo em evidência. "O conceito Gutmensch ganhou certa atualidade", confirmou o diretor do Instituto da Língua Alemã de Mannheim, Ludwig M. Eichinger.
Para Margarete Jäger, diretora do Instituto de Pesquisa Linguística e Social de Duisburg, a nova "despalavra" lembra a "estratégia discursiva" dos nazistas, que tentavam "difamar e isolar" linguisticamente os outros. Também Nils Bahlo, do Instituto de Germanística da Universidade de Münster, vê evocada "a retórica difamatória da época nazista".
Tema ainda não está esgotado
Promovida desde 1991, com base em sugestões apresentadas pela própria população, a ação crítica "Unwort des Jahres" visa conscientizar contra termos que violem os princípios da dignidade humana e da democracia, ao "discriminar certos grupos sociais" ou por serem "eufemísticos, dissimuladores ou mesmo falaciosos".
Após Lügenpresse ("imprensa da mentira") no ano anterior, retirada do vocabulário dos movimentos anti-imigração como o Pegida (sigla em alemão para "Europeus patriotas contra a islamização do Ocidente"), a onda de refugiados esteve presente como nunca entre as 1.644 sugestões de "despalavra" propostas em 2015.
Nas três horas que levou para sua seleção, o júri também considerou opções como Flüchtlingskrise ("crise de refugiados") e Asylkritiker("críticos do asilo"). Com vista a futuras votações, a porta-voz Janich anunciou: "Nós ainda não esgotamos os termos sobre a temática dos refugiados."
AV/afp/dpa