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STF decide que aborto de feto sem cérebro não é crime

Alexandre Schossler13 de abril de 2012

Maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal acatou o argumento de que o feto anencéfalo não tem chances de sobreviver. Dois magistrados votaram contra.

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Foto: Fotolia/luna

Por oito votos a favor e dois contra, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não é crime interromper a gravidez nas situações em que o feto apresenta anencefalia (má formação que impede o desenvolvimento do cérebro e cerebelo). A sessão durou dois dias e terminou na noite desta quinta-feira (12/04).

A prática do aborto é crime segundo o Código Penal. As únicas exceções são para gestações decorrentes de estupro e quando há risco para a vida da gestante.

O argumento aceito pela maioria dos ministros do STF foi o de que o feto diagnosticado com anencefalia não tem chances de sobreviver e que obrigar a mãe a seguir com a gravidez contraria o princípio da dignidade da pessoa humana, além de pôr em risco a integridade física da mulher.

O relator do processo, ministro Marco Aurélio, afirmou em seu voto que "cabe à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez". Segundo ele, nos dias atuais, é preciso ter "empatia, aceitação, humanidade e solidariedade para com essas mulheres".

Os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso votaram contra. Lewandowski entendeu que o papel de decidir sobre a questão é de responsabilidade do Congresso Nacional – que atualmente discute a reforma do Código Penal – e não da corte. "Sem lei devidamente aprovada pelo Parlamento, que regule o tema com minúcias, precedida de amplo debate público, retrocederíamos aos tempos dos antigos romanos, em que se lançavam para a morte, do alto da Rocha Tarpéia, ao arbítrio de alguns, as crianças consideradas fracas ou debilitadas", escreveu o ministro em seu voto.

Já Peluso argumentou que, no seu entendimento, o feto, mesmo na condição de anencefálico, possui vida e a interrupção dela é proibida por lei.

O processo

Apesar do placar, a questão está envolvida em muita polêmica. A ação julgada pelo STF foi iniciada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde ainda em 2004. O julgamento teve início naquele ano, mas foi interrompido por pedido de vista. Em 2008, aconteceram várias audiências públicas em que participaram representantes de entidades médicas, religiosas e da sociedade civil.

Uma das principais entidades contrárias ao aborto de anencéfalos é a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ao longo dos anos em que o processo esteve no Supremo, a CNBB chegou a pedir cassação de liminares que concederam o direito de abortar nesses casos. Durante os dias de julgamento no STF, a entidade católica também organizou mobilização na internet pela defesa da vida das crianças com anencefalia.

Sobre a influência de visões religiosas em julgamentos desse tipo, o ministro relator, durante o voto, declarou: "Se alguns setores da sociedade reputam moralmente reprovável a antecipação terapêutica da gravidez de fetos anencéfalos, relembro-lhes de que essa crença não pode conduzir à incriminação de eventual conduta das mulheres que optarem em não levar a gravidez a termo. O Estado brasileiro é laico e ações de cunho meramente morais não merecem a glosa do Direito Penal."

Aplicação a outros casos

Segundo o STF, até 2005 os juízes e tribunais dos estados concederam cerca de 3 mil autorizações para interrupção de gravidez em decorrência da impossibilidade de sobrevivência do feto. Esse número, segundo o ministro relator, já é, por si só, indicativo de que o caso precisava ser analisado pela corte suprema.

A aplicação da decisão do STF a outros casos, entretanto, não deve ser automática. Segundo a professora de Direito Civil Suzana Viegas, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, as pessoas ainda terão que entrar na Justiça para garantir seus direitos.

Apesar de a decisão do Supremo significar uma orientação a ser seguida por outros juízes no país, "não tem a mesma força de uma lei, muito embora tenha que ser respeitada", disse Suzana Viegas, em entrevista à DW Brasil. Ainda segundo ela, será preciso ver como a decisão vai repercutir em casos concretos e também no Congresso, em possíveis alterações nas leis.

O Congresso Nacional discute a atualização do Código Penal Brasileiro, uma lei sancionada em 1940. Atualmente, um grupo de juristas, advogados, e membros do Ministério Público e Defensoria Pública estão discutindo os elementos do anteprojeto de reforma que será apresentado ao Senado Brasileiro. Entre eles está a revisão da criminalização do aborto.

Autora: Ericka de Sá, de Brasília
Revisão: Alexandre Schossler