"Síria está virando cenário da Segunda Guerra", denuncia ONG
4 de dezembro de 2013Entre os dias 2 e 3 de maio passados, ao menos 167 pessoas foram mortas nas cidades de Al Bayda e Baniyas, no oeste da Síria, pelas forças do regime de Bashar al-Assad. Relatos de testemunhas e registros em vídeo, coletados pela ONG Human Rights Watch (HRW), indicam que a maioria delas não morreu enquanto militares e rebeldes se enfrentavam, mas executada após os confrontos.
Poucos meses depois, em 4 de agosto, rebeldes armados entraram na cidade de Latakia, na costa norte do país, mataram 190 civis e fizeram 200 reféns – em sua maioria mulheres e crianças. Deles, segundo a HRW, ao menos 67 foram mortos com tiros à queima-roupa. Ao longo de três anos de guerra civil, as atrocidades se tornaram comuns na Síria.
"É como um cenário da Segunda Guerra Mundial, com bombardeios pesados em locais dominados pelos oposicionistas. Temos bairros inteiros sendo bombardeados", conta Hamit Dardagan, coautor do novo relatório sobre as mortes na Síria, divulgado pela ONG Grupo de Pesquisa de Oxford (ORG, na sigla em inglês).
O relatório divide as estatísticas segundo idade, gênero, região geográfica e, se conhecida, a causa da morte. Até agosto deste ano, quando foi fechado o estudo, mais de 11 mil crianças – de um total de 113.735 vítimas – haviam sido mortas no conflito. Nos últimos três meses, a cifra do total de mortos na guerra já subiu para 126 mil.
Uma sociedade inteira afetada
"O número de crianças é um indicador do número de civis que devem ter sido afetados pela guerra", afirma Dardagan. "Isso é só para dar uma noção de como a guerra é generalizada. Não se trata somente de tropas do governo lutando contra forças rebeldes, o conflito está afetando uma sociedade inteira."
Mohammed Aly Sergie, jornalista sírio que passou quatro meses em seu país neste ano, acredita que, na Síria, o nível de violência não tem precedentes neste século. Ele lembrou o bem documentado massacre de Houla, em maio de 2012, quando a ONU relatou que as milícias Shahiba, leais ao presidente Assad, teriam matado dezenas de pessoas, incluindo crianças.
"Foram encontrados corpos com ferimentos provocados por tiros à queima-roupa e facas", disse Sergie à Deutsche Welle. "Não se vê isso em outros conflitos, como em Iraque, Paquistão ou Afeganistão. Não se escuta sobre outras chacinas em tão grande escala."
Assassinatos indiscriminados
Enquanto as atrocidades estão sendo cometidas – por ambos os lados – o novo relatório não deixa dúvida de que as forças de Assad são responsáveis pela grande maioria das mortes de civis. E por uma simples razão: os explosivos foram a principal causa da morte de crianças. Eles mataram 7.557 (71%) das 10.586 crianças cujas causas de morte foram identificadas.
"De acordo com o relatório, as armas utilizadas para matar a maioria das crianças são controladas pelo regime de Assad", disse Sergie. "Os rebeldes não têm aviões ou helicópteros, como também não possuem artilharia de médio a longo alcance que possa causar tais explosões. Baseando-se somente nisso, a culpa tende para o lado do governo."
Isso já foi reconhecido pelas Nações Unidas. Na última segunda-feira (02/12), a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, confirmou haver "evidência maciça […] de crimes sérios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade" e que essa "evidência indica a responsabilidade em mais alto nível governamental, inclusive do chefe de Estado".
Perigo que vem do céu
Sergie conta ter visto tais assassinatos de primeira mão. "Na Síria, quando eu estava no solo, era realmente frustrante ver um jato MIG avançar sobre áreas civis, vilarejos, quando se sabe que não há nada ali – lá estão possivelmente algumas pessoas armadas, mas definitivamente nenhum tanque ou armas pesadas – e eles simplesmente avançam, lançam bombas atrozes e voam em seguida para longe", afirmou o jornalista.
O fato de Assad ainda ter o uso completo de sua Força Aérea é uma questão controversa. Como enfatizado por Sergie, foi a ameaça do poder aéreo de Muammar Khadafi que levou à intervenção internacional.
"Há formas de dar fim a isso: muitos países perderam o privilégio de ter uma Força Aérea por meio da imposição de uma zona de exclusão aérea", disse. "Existe uma zona de exclusão aérea no Iraque, na Líbia – não é comum que um conflito interno prossiga com um dos lados conduzindo tal tipo de campanha aérea. Você não escuta de guerras civis na África onde isso acontece. Quando Khadafi ameaçou usar aviões, isso foi a gota d'água – o mundo não queria ver isso acontecer."
Alvos escolhidos
O relatório da ORG é bastante neutro. "Se alguém morre numa troca de tiros, quem sabe realmente quem fez os disparos?", questiona Dardagan. A interpretação, no entanto, é questionada por alguns ativistas.
A ativista dos direitos humanos Leila Nachawati diy que a matança de crianças sempre foi uma estratégia de Assad – e desde o início das revoltas, em 2011, quando o corpo mutilado do adolescente Hamza al-Khateeb foi enviado para sua família um mês após a sua detenção pelas autoridades.
"Como estratégia de desmoralizar a população e silenciar a dissidência, crianças têm sido repetida e sistematicamente alvos do regime", afirmou Nachawati à DW. "Elas são alvos, como também a população síria como um todo – não se trata de efeitos secundários na guerra contra facções armadas, que ainda nem existiam quando o regime mostrou sua violência ao longo de 2011."
Marc Pierini, ex-embaixador da União Europeia para a Síria, prevê que o relatório da ORG estará entra as evidências "criticamente importantes" de atrocidades, na Segunda Conferência de Genebra sobre a Síria, prevista para 22 de janeiro de 2014.
"O relatório do Grupo de Pesquisa de Oxford é detalhado e bem documentado", declarou Pierini à DW. "Isso fortalece relatos provenientes de organizações humanitárias em campo. Embora não se deve excluir o fato de que alguns grupos oposicionistas possam ter cometido atrocidades, parece não haver dúvidas de que a maior parte da morte de crianças tenha resultado da ação de forças do governo."