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Kiev e Ocidente veem promessa de recuo russo com ceticismo

30 de março de 2022

Após Moscou anunciar redução de operações militares na região da capital ucraniana e em Tchernihiv, Kiev, Washington e Londres alertam para tentativa de desviar atenção, e autoridades locais relatam novos bombardeios.

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Volodimir Zelenski, presidente da Ucrânia
Zelenski: "Os ucranianos não são ingênuos. Os ucranianos já aprenderam que só se pode confiar em resultados concretos"Foto: ASSOCIATED PRESS/picture alliance

A promessa russa de reduzir parte de suas operações militares na Ucrânia, feita após negociações entre os dois países nesta terça-feira (29/03), foi recebida com ceticismo por Kiev e países do Ocidente.

O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse que não há motivos para acreditar que Moscou irá reduzir, como anunciou, sua ofensiva ao redor de Kiev e Tchernihiv, no norte do país, considerando o que se vê in loco.

"Podemos chamar os sinais que ouvimos nas negociações de positivos, mas esses sinais não silenciam as explosões das bombas russas", afirmou Zelenski em pronunciamento em vídeo para o povo ucraniano.

As declarações esfriaram o otimismo gerado por sinais de avanços nas negociações de paz entre Rússia e a Ucrânia nesta terça, após cinco semanas de uma guerra que já deixou milhares de mortos e fez com que quase 4 milhões de ucranianos fugissem do país.

Mapa mostra para onde vão os refugiados ucranianos

Mesmo enquanto os negociadores russos e ucranianos se reuniam nesta terça, as forças de Putin bombardearam um prédio de nove andares da administração pública local em Mykolaiv, cidade portuária no sul do país. Ao menos 12 pessoas morreram.

E nesta quarta-feira, apesar do anúncio russo, autoridades locais relataram novos ataques nos entornos de Kiev e Tchernihiv. O governador da região de Tchernihiv, Viacheslav Chaus, disse que os bombardeios russos continuaram durante toda a noite e que alvos civis haviam sido destruídos.

"Ontem, os russos declararam publicamente que estavam reduzindo suas ações e atividades ofensivas nas áreas de Tchernihiv e Kiev. Nós acreditamos nisso? Claro que não", disse o governador no Telegram.

"Os ucranianos não são ingênuos"

Nas negociações entre representantes dos dois países nesta terça, em Istambul, na Turquia, a Ucrânia propôs a adoção de um status neutro em troca de garantias de segurança, indo ao encontro de uma das principais exigências russas, de manter Kiev fora da Otan. A proposta ucraniana inclui ainda um período de 15 anos para um processo consultivo sobre a anexação da Península da Crimeia pela Rússia.

O vice-ministro russo da Defesa, Alexander Fomin, por sua vez, disse que Moscou decidiu "fundamentalmente reduzir a atividade militar na direção de Kiev e Tchernihiv" para "aumentar a confiança mútua e criar condições para novas negociações''. Ele não detalhou o que isso significaria na prática.

Em seu pronunciamento, Zelenski afirmou que a Ucrânia e suas tropas não devem "baixar a guarda". "Os ucranianos não são ingênuos. Os ucranianos já aprenderam, durante os 34 dias da invasão [russa] e os últimos oito anos de guerra na região de Donbass que só se pode confiar em resultados concretos", declarou.

Após as conversações em Istambul, o chefe da delegação russa, Vladimir Medinsky, disse à TV do país que as propostas da Ucrânia são positivas, mas que as partes envolvidas nas negociações de paz ainda estão longe de chegar a um acordo. Espera-se que as conversações prossigam em Istambul nesta quarta-feira.

"Admissão tácita de dificuldades"

A promessa russa de reduzir operações militares foi feita após tropas terrestres do país sofrerem perdas na tentativa de tomar a capital Kiev e outras cidades ucranianas. Na semana passada e novamente nesta terça-feira, o Kremlin pareceu reduzir suas metas de guerra, dizendo que seu "objetivo principal" é assumir o controle da região de Donbass, no leste da Ucrânia.

O Ministério da Defesa do Reino Unido disse nesta quarta-feira que o fato de a Rússia colocar o foco sobre a região de Donbass "é provavelmente uma admissão tácita de que está tendo dificuldades de sustentar mais de um eixo significativo de avanço".

"Unidades russas que sofreram pesadas perdas foram forçadas a retornar para Belarus e Rússia para se reorganizar e se reabastecer", afirmou o ministério britânico em comunicado. "Tais atividades colocam ainda mais pressão sobre a já sobrecarregada logística russa e demonstram as dificuldades que a Rússia está tendo para reorganizar suas unidades em áreas da Ucrânia".

A Defesa do Reino Unido observou, no entanto, que a mudança de estratégia provavelmente não significará um alívio para os civis em cidades sob intensos bombardeios russos. O ministério disse esperar que Moscou "continue a compensar sua capacidade de manobra terrestre reduzida por meio de artilharia pesada e mísseis".

"Cortina de fumaça"

O embaixador ucraniano em Berlim, Andriy Melnyk, classificou o anúncio da Rússia como uma "manobra enganosa".

"Acreditamos que essa retórica 'conciliadora' de Moscou não passe de um blefe e cortina de fumaça para desviar a atenção do constrangimento militar do Kremlin na Ucrânia", disse. Além disso, o objetivo de Putin seria "enganar o Ocidente, inclusive a Alemanha".

"Há o que a Rússia diz e o que faz"

Ao ser questionado se a promessa russa pode ser uma tentativa de Moscou de ganhar tempo, o presidente americano, Joe Biden, por sua vez, disse que vai aguardar ações concretas.

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que Moscou pode estar tentando somente "enganar as pessoas e desviar a atenção". Algo semelhante ocorreu já no período de tensão que precedeu a invasão da Ucrânia, quando as Forças Armadas russas anunciaram que algumas unidades estavam se preparando para retornar a suas bases de origem após a conclusão de exercícios. Na época, o presidente russo, Vladimir Putin, sinalizava interesse na diplomacia, mas dez dias depois, em 24 de fevereiro, a Rússia iniciou a invasão.

Autoridades ocidentais avaliam que agora a Rússia está reforçando sua presença na região de Donbass numa tentativa de cercar as forças ucranianas, enquanto mantém os intensos bombardeios a cidades no sul do país, entre elas a sitiada Mariupol, onde civis estão presos em meio a ruínas e falta de alimentos e água.

"Há o que a Rússia diz, e há o que a Rússia faz, e estamos focados nesse último", disse Blinken. "E o que a Rússia está fazendo é a brutalização contínua da Ucrânia".

Rotação de forças

O porta-voz do Pentágono, John Kirby, afirmou que os EUA detectaram pequenos números de forças terrestres da Rússia se afastando da área de Kiev, mas que pareceu se tratar de uma reposição de forças e não de uma retirada real. Ele disse ser muito cedo para saber onde as tropas seriam reposicionadas e que a ameaça a Kiev permanece.

O Estado-Maior da Ucrânia também afirmou que a chamada "retirada de tropas" russas seria, na verdade, uma rotação de unidades com o objetivo de enganar a liderança militar ucraniana e criar uma imagem falsa da suposta interrupção dos planos de cercar Kiev.

Em relatório, as autoridades ucranianas apontaram que, embora algumas unidades militares russas tenham se retirado da região de Kiev e Tchernihiv, há sinais de que essas unidades serão destacadas para outros lugares no leste do país.

lf (AP, ARD, DW, ots)