"UE não é mais tão atraente para Ancara"
9 de março de 2016A Turquia solicitou pela primeira vez a filiação à Comunidade Econômica Europeia, antecessora da UE, quase 30 anos atrás, em 14 de abril de 1987. Desde então, a pretensão de ingressar no bloco europeu tem sido indeferida, de maneira mais ou menos explícita. Os motivos alegados vão desde a fragilidade das estruturas democráticas turcas até uma suposta incompatibilidade religiosa e cultural.
Devido a sua situação geográfica, o país desempenha agora um papel-chave na onda migratória a partir do Oriente Médio, podendo funcionar como porta de entrada ou barreira em direção à União Europeia. Em troca de sua ajuda na crise, na conferência de cúpula desta segunda-feira (07/03) em Bruxelas, Ancara exigiu do bloco concessões significativas, tanto em termos financeiros quanto políticos.
O diretor da Fundação Heinrich Böll em Istambul, Kristian Brakel, é também especialista em processos políticos no Oriente Médio. Ele considera toda a atual paparicação de Ancara por Bruxelas como parte de um compreensível jogo de interesses políticos. Entretanto, uma filiação europeia em médio prazo continua fora de cogitação, também pela falta de real interesse turco.
DW: No contexto da mais recente cúpula da União Europeia, voltou a ser tematizada a eventual inclusão da Turquia no bloco europeu. Há alguns anos as negociações nesse sentido estão congeladas. O processo de filiação volta agora a entrar em movimento?
Kristian Brakel: Seguramente vai haver um pouco mais de movimento, em comparação com o que temos visto nos últimos anos. No entanto não se deve esperar demais. Acho que o motivo por que tanto Ancara quanto a UE lidaram de forma relativamente relaxada com essa parte das exigências turcas é ambos os lados saberem que não é realista falar de filiação no médio prazo.
Por que uma filiação não é realista?
Os motivos são vários. Por um lado, no momento a UE não está em condições de aceitar novos membros. Vigora uma suspensão temporária das filiações. Isso se aplica até mesmo aos países dos Bálcãs, onde há interesse em manter mais vinculados. Isso tem a ver com os problemas internos que a UE vem enfrentando.
Por outro lado, há muito a UE deixou de ser tão atraente assim para Ancara. O espaço de Schengen está ameaçado, antes havia os problemas com a União Monetária. Agora se discute se o Reino Unido não vai abandonar a UE. É uma UE totalmente diferente daquela em que a Turquia queria ingressar, 20 anos atrás. Além disso, não se sente muita vontade em Ancara de que haja alguém de Bruxelas se ingerindo na política interna turca. Isso se aplica em especial ao presidente Recep Tayyip Erdogan.
Assim fica parecendo ser culpa só da UE se a Turquia não puder ingressar no bloco. Em que setores o país apresenta deficiências?
As deficiências são numerosas. No geral, todo candidato à filiação precisa se adaptar ao assim chamado "acervo comunitário" [acquis communautaire, base comum de direitos e obrigações para todos os Estados-Membros], a legislação da UE. Isso começa com a forma dos aterros sanitários, subindo até a independência da Justiça, liberdade de imprensa, padrões comuns de direitos humanos.
Em todos esses aspectos, é claro, há um sem número de "canteiros de obras" para a Turquia. No momento, está em foco sobretudo a investida militar contra os curdos; mas, é óbvio, também os deficits na liberdade de imprensa. Acabamos de ver novamente, no fim de semana passado, quão seriamente esta última questão está ameaçada, no momento.
A que incidentes está se referindo?
Por um lado, à apropriação pelo Estado do jornal Zaman, ligado ao [oposicionista autoexilado nos EUA Fethullah] Gülen. Mas igualmente à estatização da agência de notícias Cihan, nesta terça-feira. Esses não são casos isolados, mas se alinham a toda uma série de ocorrências, nos últimos meses, em que o governo tenta silenciar órgãos de mídia, sobretudo pertencentes ao conglomerado Gülen ou aos movimentos curdos.
Diante desse comportamento do governo turco: é cínica a corte que os europeus estão fazendo agora à Turquia?
Isso é um pouco complicado. A política externa é ditada por interesses. E naturalmente é no interesse da UE assumir o controle da crise de refugiados. Pois, se isso não acontecer, perdemos a UE como união política, uma união que seja mais do que um espaço em que só nos concedemos subvenções reciprocamente.
Desse ponto de vista, a atual forma de lidar com a Turquia faz todo sentido. Também faz sentido melhorar a francamente miserável situação dos refugiados no país. Inadmissível é Ancara se apropriar desse potencial para chantagear a UE; ou que a UE de repente passe a fazer vista grossa às violações dos direitos humanos dentro da Turquia. Cabe esperar que as coisas voltem a tomar uma outra feição, assim que a tinta no documento tiver secado.