"Nunca atribua à malícia o que pode ser adequadamente explicado pela burrice" – diz o provérbio inglês que ficou conhecido como Navalha de Hanlon. É frequentemente citado para questionar teorias da conspiração.
A questão da hora é saber se o presidente Jair Bolsonaro está levando o Brasil deliberadamente ao caos ou se tudo não passa de um acidente de percurso. Seja no Enem, na anunciada privatização de empresas estatais, na política econômica ou na luta contra a pandemia: Bolsonaro e seus ministros parecem não estar conseguindo dar uma dentro. Para onde quer que se olhe atualmente, reina o caos no Brasil.
Vejamos outros países: dificilmente alguém duvidaria que os problemas dos países europeus com a aquisição de vacinas contra o coronavírus se baseiam em um mau planejamento, ou seja, em uma espécie de estupidez; quem iria querer acusar os políticos de agir de forma maldosa, ou seja, dificultando conscientemente a compra de vacinas? Mesmo governantes autocráticos tentam ser capazes de mostrar sucesso na luta contra o vírus. Porque deixar o próprio povo sofrer é algo que só os espíritos sádicos ousam fazer.
Maldade ou estupidez?
Mas como classificar o ostensivo não uso de máscara ou o desrespeito deliberado às regras de distanciamento social do presidente Jair Messias Bolsonaro? A luta contra os lockdowns, contra o distanciamento social, contra as vacinas, a recusa em ajudar um SUS em pleno colapso? A insistência na inútil cloroquina? A incapacidade de levar oxigênio a Manaus? Maldade ou estupidez?
O colunista Mathias Alencastro, da Folha de S. Paulo, ao comentar recentemente a tentativa amadorística de busca de vacinas na Índia, citou outros termos. "No governo Bolsonaro, é impossível separar a incompetência da má-fé e a crueldade da falta de noção."
Crueldade sempre foi a marca registrada de Bolsonaro – ou será falta de noção? Armas, tortura, matança, insultos, difamações, ridicularizar os outros, ameaçá-los – tudo isso já conhecemos dele.
Palavras bonitas, gestos conciliatórios, empatia e consolação – são coisas que lhe são estranhas. Quase se poderia ter a impressão de que ele está procurando o caos, o colapso. "Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê?", foi a reação dele ao incêndio do Museu Nacional no final de 2018. "Fizemos nossa parte", foi o seu comentário há poucos dias diante dos gritos de "não consigo respirar!" vindos de Manaus.
Deixar sangrar
Os apelos por um impeachment de Bolsonaro vão se esvair. Em vez disso, ele poderá continuar por mais dois anos. Porque ninguém vai querer assumir tais responsabilidades num Brasil atolado no atual caos. Isso é algo que a classe dominante do país aprendeu com o indigno impeachment de Dilma Rousseff: no papel de Michel Temer, ninguém é feliz. Preferível é deixar sangrar até morrer nas próximas eleições. Se isso vai dar certo, é outra coisa.
Porque as eleições da semana que vem no Senado e na Câmara dos Deputados ameaçam nos ensinar outra lição. Partidos, deputados e senadores vão faturar nababescamente para poupar Bolsonaro de um impeachment. Faltam, pois, ainda dois anos, em que teremos que nos perguntar: é tudo agora estupidez ou maldade, incompetência, má-fé ou falta de noção? Ou tudo junto?
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.