Uma "família Scolari" jovem e pouco contestada
7 de maio de 2014Três de maio de 2002: em visita à então sede da CBF no centro do Rio, Luiz Felipe Scolari é cercado por dezenas de torcedores, que, exaltados, pedem a convocação de Romário. Com dificuldade, o técnico caminha até o carro, em meio a gritos e cartazes, e deixa o local. Dias depois, ele anunciava a lista dos jogadores – sem o "Baixinho" – que conquistariam a Copa daquele ano.
Nesta quarta-feira (07/05), exatos 12 anos depois, Felipão voltou ao palanque para a ingrata missão de agradar um país que, como se diz, tem 200 milhões de treinadores. Desta vez, porém, a tarefa foi mais fácil: talvez nunca antes, às vésperas de um Mundial, o elenco da seleção brasileira tenha sido tão pouco contestado.
Se, por um lado, a expectativa de protestos contra o governo e a Fifa é grande, não há clamor popular por um único nome que tenha sido deixado de fora da "Família Scolari". Uma ou outra voz há de pedir o atacante do seu time de coração; discordar sobre a presença de um dos goleiros; questionar a convocação de um lateral ou um zagueiro reserva. Mas nada comparável ao que se viu em 2002, 2010 – quando Ganso e Neymar foram deixados de fora – e em grande parte das outras Copas.
Homens de confiança
Muitos jogadores são, de fato, unanimidade. O quarteto defensivo é incontestável e tido por muitos como o melhor do mundo. O capitão Thiago Silva, do PSG, foi eleito o melhor zagueiro do ano pela Fifa e seu companheiro, David Luiz, vive grande fase no Chelsea. Há sete anos no Real Madrid, Marcelo não tem rival na lateral esquerda. E Daniel Alves, do Barcelona, conta com a confiança de Felipão pela direita.
Mas, quando se olha para o meio de campo e o ataque, tem-se a impressão que atual safra de jogadores está um passo atrás dos grandes time que o Brasil já teve. Estrelas que deveriam fazer a transição da geração campeã em 2002, de Ronaldo e Rivaldo, para a atual se perderam pelo caminho. Kaká (32 anos) e Ronaldinho (34) há tempos não repetem as atuações que os levaram a ser melhores do mundo. E Adriano (32), há anos fora de forma, tem que provar que ainda é jogador de futebol.
Esses três nomes poderiam aliviar o peso que recai sobre Neymar. Camisa 10 e estrela absoluta da seleção, o atacante do Barcelona carrega boa parte das esperanças dos brasileiros de chegar ao hexacampeonato. E comanda um ataque que terá que provar, no Mundial, a confiança depositada nele por Felipão.
Fred, do Fluminense, é o centroavante de Scolari, muito pelo que fez na Copa das Confederações, quando foi artilheiro com cinco gols e decisivo. Pela debilidade de seu concorrente direto – Jô, do Atlético Mineiro – só perde a vaga se o técnico mudar o esquema de jogo e abrir mão de um camisa 9.
Desde a Copa das Confederações, Fred enfrentou uma série de lesões – em 2014 foram apenas 16 jogos e nove gols. E ainda sofre com a sombra dos grandes centroavantes que imperaram quase três décadas no ataque da seleção, praticamente sem dar chances aos concorrentes: Careca (1986 e 1990), Romário (1994) e Ronaldo (1998, 2002 e 2006).
Incerteza no gol
Ao seu lado, Fred e Neymar devem ter o forte e veloz Hulk, do Zenit, e o jovem de 22 anos Oscar, camisa 10 do Chelsea. No meio-campo, Felipão se blindou convocando uma série de jogadores com capacidade de chegar bem ao ataque. Com exceção de Luiz Gustavo (Wolfsburg), titular na Copa das Confederações, todos os convocados para o setor têm também características ofensivas: os volantes Ramires (Chelsea), Paulinho (Tottenham) e Hernanes (Inter de Milão); e os meias Willian (Chelsea), Fernandinho (Manchester City) e Bernard (Shakhtar Donetsk).
No gol, Felipão optou pela experiência de Júlio César, de 34 anos e titular no Mundial de 2010. O goleiro, porém, veste a camisa do Toronto FC, que disputa a liga americana de futebol. Antes, ficou mais de dois meses sem atuar devido a problemas com seu ex-clube, o Queens Park Rangers, que caiu para a segunda divisão da Inglaterra.
O goleiro é um dos líderes de um elenco com pouca experiência em Copas – só seis dos 23 convocados já disputaram um Mundial. Talvez por isso a CBF tenha optado por colocar no comando dois dos treinadores mais rodados do futebol brasileiro: Felipão, campeão em 2002, e Carlos Alberto Parreira, técnico do tetra em 1994 e em 2006.
A missão é árdua. Ao mesmo tempo em que tenta reeditar a "Família Scolari" de 2002 e passar confiança aos jogadores mais jovens – no último ano, fez uma série de viagens à Europa para acompanhá-los de perto – Felipão sabe que, se o Brasil hoje tem chances de chegar ao título, é em parte pelo fator campo. Se a torcida apoiar, como disse recentemente o técnico, "o jogo já começa 1 a 0".