Violência marca votação na Venezuela
31 de julho de 2017Milhões de venezuelanos foram às urnas neste domingo (30/07) para eleger os representantes da Assembleia Nacional Constituinte. A votação, criticada pela comunidade internacional e denunciada pela oposição como o último passo do governo Nicolás Maduro para consumar uma ditadura, foi marcada pela violência. Ao menos dez pessoas morreram durante os protestos contra o processo que ocorreram em várias cidades do país.
Os números sobre o comparecimento eleitoral são contraditórios. De um lado, a oposição comemorou a "grande abstenção" como sinal da recusa da Constituinte pelo povo. Segundo a coalizão oposicionista Mesa da Unidade Democrática (MUD), apenas 12% dos 19,8 milhões de eleitores teriam ido às urnas. Por outro lado, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) afirmou que mais de 8 milhões de pessoas participaram da votação.
"A participação é extraordinária. Temos uma participação de 41.53%. 8.089.329 venezuelanos votaram na ANC", informou a presidente do CNE, Tibisay Lucena.
Maduro elogiou os venezuelanos nas primeiras horas desta segunda-feira pela "lição de coragem" e "participação histórica" nas eleições. "Temos Assembleia Constituinte (...) 8 milhões (de votos) em meio a ameaças (...) foi a maior votação que teve a revolução bolivariana em 18 anos. O povo deu uma lição de coragem, de valentia. O que vimos foi admirável", declarou Maduro, perante centenas de apoiadores que se concentraram na Praça Bolívar, em Caracas, à espera dos resultados das eleições.
Ameaças a opositores
Maduro anunciou que a ANS será utilizada para levar à Justiça, e inclusive à prisão, os dirigentes opositores. Ele assegurou que a constituinte, que, segundo ele, tomará posse nas próximas horas, "levantará a imunidade parlamentar de quem tiver que levantar", atuará contra a "burguesia parasitária" para solucionar a crise econômica e tratará com a Procuradoria "para que haja justiça".
O presidente venezuelano destacou que uma das primeiras decisões da ANC será instalar uma comissão da verdade para submeter os opositores à justiça, apontando os líderes Julio Borges e Henry Ramos Allup como responsáveis pelas manifestações violentas dos últimos meses.
Ao mesmo tempo, Maduro ofereceu diálogo político à oposição. "Eu faço um desafio à MUD: abandonem o caminho da violência, voltem à política, aceitem o desafio e vamos nos medir nas províncias para ver quem pode mais", disse o mandatário.
Violência nas ruas
A eleição começou em clima de tensão. Apesar da proibição de manifestações, a oposição realizou diversos protestos pelo país e promoveu barricadas em ruas e rodovias. Nas tentativas de dispersão dos bloqueios, forças de segurança entraram em confronto com manifestantes. De acordo com a ONG Foro Penal Venezuelano, 64 pessoas foram detidas nos atos. As confusões deixaram ainda mortos e feridos em ambos os lados.
Em comunicado, o Ministério Público da Venezuela informou que investiga as mortes de dez pessoas ocorridas durante as manifestações deste domingo: quatro no estado de Táchira, outras três em Mérida, uma em Lara e outras duas em Sucre e Zulia. Duas das vítimas seriam menores de idade. A MUD contesta os números e afirma que 16 pessoas morreram durante a jornada de protestos.
Entre as vítimas dos embates, há também governistas. Em Caracas, sete policiais ficaram feridos devido à explosão de duas motos da corporação. A sede do departamento de trânsito da polícia no leste da cidade também foi incendiada.
Críticas internacionais
A votação foi amplamente criticada por Estados Unidos, União Europeia e países da América Latina que defendem a suspensão da Constituinte e uma negociação política para solucionar a crise. Assim como a Colômbia e o Panamá, o Peru, a Argentina, o México, a Espanha e os Estados Unidos afirmaram neste domingo que não reconhecerão o resultado da votação.
O Brasil lamentou a decisão de Maduro de promover a votação. Em nota, o Itamaraty afirmou estar preocupado com a escalada de violência no país. "Diante da gravidade do momento histórico por que passa a Venezuela, o Brasil insta as autoridades venezuelanas a suspenderem a instalação da assembleia constituinte e a abrirem um canal efetivo de entendimento e diálogo com a sociedade venezuelana."
O Governo do Peru anunciou ter convidado os ministros de oito países do continente americano para uma reunião, para avaliar a situação na Venezuela, após as eleições de domingo. "Perante a situação criada pelas eleições para uma Assembleia Constituinte e o impacto na ordem democrática na Venezuela, o Peru convidou, para uma reunião, os ministros de Relações Exteriores", entre outros, da Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México, Panamá e Paraguai, indicou, em comunicado, a diplomacia peruana. A reunião está marcada para 8 de agosto.
A votação elegeu os 545 membros que integrarão a assembleia para reescrever a Constituição, de modo a dar ainda mais poderes a Maduro. Na prática, a Constituinte anula o Parlamento de maioria opositora, eleito há dois anos e que até aqui era o único elemento de contrapeso no jogo político na Venezuela.
A oposição venezuelana boicotou o processo. A eleição ocorre duas semanas após a oposição ter realizado uma consulta popular à margem do sistema de votação, na qual cerca de 7,5 milhões de venezuelanos rechaçaram a constituinte.
"Um processo eleitoral que busca a adoção de uma nova Constituição e cuja retirada foi solicitada por milhões de venezuelanos, partidos de oposição, não pode ser levado adiante com restrições à liberdade de expressão e ao direito de reunião pacífica que impeçam, de forma arbitrária, a ampla difusão de todas as opiniões políticas", aponta a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Em profunda recessão e meio à grave escassez de produtos básicos, a Venezuela está há quatro meses em ebulição, com protestos quase diários contra Maduro e seu Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Mais de 110 pessoas morreram em confrontos com forças de segurança.
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