Infância na Guerra
7 de fevereiro de 2008Dona Hildegard Jost-Berns, 69 anos, tem um sobressalto toda vez que ouve uma sirene. Quando ainda trabalhava como professora, ela precisava interromper a aula sempre que o alarme soava lá fora ao ser testado.
Quando tinha 5 anos, o apartamento de seus pais pegou fogo depois de um ataque aéreo sobre a cidade de Essen. Ela era então pequena demais para entender o que se passava e grande demais para jamais esquecer o ocorrido. Anos mais tarde ela ainda tinha pesadelos com aquelas chamas.
A perda do lar e da segurança implica a perda da própria infância. Também para Beatrix Wagner, que vivenciou em 1945 o ataque a Dresden. Ela se lembra do estrondo das bombas e da terrível impotência da mãe: "Foi algo totalmente inesperado, uma sensação assim de alguma coisa muito ruim."
A sós com experiências traumatizantes
Que a pequena Beatrix, então com 7 anos, se sentia ferida em seus sentimentos, era algo que não interessava a ninguém naqueles caóticos dias de guerra. A questão era a pura sobrevivência. Mesmo no pós-guerra faltou a oportunidade de elaborar o que havia sido vivenciado. Não havia psicólogos que se ocupassem de crianças traumatizadas pela guerra.
Em 1954, um estudo dispersou eventuais preocupações com a incolumidade física e psíquica daquelas crianças e adolescentes. "Eles tinham readquirido peso normal, tinham crescido normalmente, o desempenho na escola era normal, não demonstravam mudanças psíquicas graves, de acordo com os métodos de avaliação de então", explica o professor Hartmut Radebold.
O psiquiatra de Kassel ocupa-se há anos em seu trabalho científico e terapêutico com a geração que era criança durante a Segunda Guerra. Ele constatou com freqüência, em pessoas com mais de 60 anos, sintomas e modos de comportamento que atribui a vivências de infância durante a guerra que não foram elaboradas.
Chamaram sua atenção, por exemplo, as dificuldades de relacionamento dessas pessoas. Muitas mulheres dessa geração tiveram dificuldades em idade adulta em se envolver com um parceiro. É que durante anos elas tinham convivido e sido educadas exclusivamente pelas mães e pelas avós. Os pais tinham tombado na guerra, eram tidos como desaparecidos ou regressavam apenas anos mais tarde da prisão de guerra.
O que não mata nos fortalece
Quem era criança na época da guerra é assaltado pelo próprio passado não apenas em questões de parceria. Uma hora é a sirene, outra hora é a sensação de aperto ao fazer uma ressonãncia magnética que faz emergir à consciência as imagens e os sustos da infância. Um processo que muitos têm dificuldade em admitir, segundo o professor Hartmut Radebold.
Muitos homens e muitas mulheres se orientam, segundo ele, por uma auto-imagem de quem conseguiu sobreviver e superar as dificuldades. "Eles vivem segundo o ditado: o que não mata nos fortalece."
Com isso, suas lembranças ficam cimentadas no fundo do subconsciente adulto, em meio ao cotidiano familiar e profissional. Quando chega a idade da aposentadoria, essas lembranças emergem. Sem as ocupações e as tarefas profissionais para prencher sua atenção, as crianças de guerra de outrora voltam a concentrar-se em si próprias e em seu passado.
Depressões, ataques de pânico e sintomas corporais, tais como dores na região do coração, podem ser as conseqüências. Os sintomas nem sempre são analisados, porque em tempos de fome e de frio elas aprenderam na infância a ignorar os sinais de seus corpos.
Isso é o que elas continuam fazendo em parte até hoje. A cota de pessoas desta geração que evita fazer exames médicos preventivos é superior à média. Elas não tratam de suas doenças. A percepção de suas próprias emoções, do luto, é igualmente nebulosa.
Durante muito tempo, Hildegard Jost-Bens achava muito bonita uma foto que a mostra aos 8 anos, com cachos e laços de fita no cabelo. Hoje ela vê a fotografia com outros olhos. Ela percebeu que seu rosto na verdade está sério e tenso, "embora o pior já tivesse passado em 1946. Pelo menos exteriormente".