Voando baixo
27 de março de 2003Desde que a coalizão anglo-americana abriu fogo no Iraque, as companhias aéreas se vêem às voltas com redução do número de passageiros, portanto do faturamento, e aumento das despesas de segurança. Para ajustar-se à demanda, muitas delas cortaram vôos. Outras, em dificuldades financeiras, foram mais longe e estão cancelando encomendas de aviões e acelerando seus programas de reestruturação, inclusive com demissões em massa.
Nos Estados Unidos, o setor dá como certa a liberação em breve de socorro financeiro pelo presidente George W. Bush, como ocorreu após os atentados de 11 de setembro de 2001. Fala-se num pacote de 13 bilhões de dólares. A Comissão Européia não vê razões para tal, mas aprovou uma flexibilização nas regras da aviação para que as companhias não sejam punidas ainda mais pelo ambiente de guerra.
Devido ao conflito, vôos que normalmente passavam pelo Oriente Médio foram desviados para longas rotas sobre a Rússia, e aviões militares têm prioridade no espaço aéreo europeu, provocando atrasos nos aeroportos civis. A organização mundial IATA prevê uma queda de 6 bilhões de euros no faturamento global das companhias de avião caso a guerra dure três meses.
As concessões da UE
Uma das medidas programadas pela Comissão Européia é a liberação para vôos em sistema code-share, nos quais os passageiros de diferentes companhias voam juntos numa única aeronave, tal como Varig e TAM estão fazendo no Brasil. Assim, as empresas podem reduzir a capacidade ociosa gerada pela queda na demanda. Este recurso é normalmente proibido pela UE por ferir as regras anticartel.
A Comissão aprovou ainda que os governos dos países da União Européia devam assumir as despesas das companhias com medidas extras de segurança, caso o risco de atentados terroristas cresça em função da guerra.
Outra importante decisão flexibiliza as normas do direito de decolagem e pouso. Diante da acirrada disputa entre as companhias pela licença de usar os principais aeroportos comerciais europeus, as regras neste sentido são rigorosas. A empresa que utiliza menos de 80% das vagas a que têm direito corre o risco de perder a licença. Com os recém anunciados e possíveis futuros cortes nas planilhas de vôo, muitas companhias estariam ameaçadas e a Comissão Européia resolveu, em regime emergencial e temporário, suspender a exigência.
O plano de socorro foi elaborado pela comissária dos Transportes, Loyola de Palácio, e aprovado pela Comissão Européia na quarta-feira. O documento ressalta ainda que não serão tolerados adiamentos na reestruturação do setor com a alegação da guerra. Nesta quinta e sexta-feira, os ministros dos Transportes dos 15 países membros da UE discutirão as propostas.
A situação nas companhias
Líder do setor na Alemanha, a Lufthansa também está sentindo as conseqüências da guerra. Desde o início do ano, a ocupação em seus vôos caiu 1,2 ponto percentual para 69,9%. A situação acelerou-se após a queda das primeiras bombas em Bagdá. Na terça-feira, a ex-estatal anunciou o cancelamento de novos vôos para os EUA, Venezuela, Japão e Coréia do Sul. Mais sete aviões serão tirados de rota, somando-se a outros 48 temporariamente desativados. Todos os departamentos da empresa terão de economizar pelo menos 90 milhões de euros a mais este ano.
Maior companhia aérea da Europa, a British Airways decidiu, por sua vez, reduzir em 4% sua oferta de vôos nos próximos dois meses, inclusive em linhas para os Estados Unidos. "Estamos diante de tempos claramente difíceis. A experiência já nos mostrou que nestes momentos é preciso ter liqüidez", disse o presidente da BA, Rod Eddington, na quarta-feira, em Londres. Nos últimos dois anos, a empresa britânica encurtou sua planilha de vôos em 20%; os transatlânticos foram reduzidos em 12%.
Enquanto a Lufthansa não pretende demitir funcionários, argumentando que há outras formas de economizar com pessoal, a British vai acelerar seu programa de reestruturação e antecipar para setembro o fim do cronograma de 13 mil demissões, inicialmente previsto para terminar em março do ano que vem. Eddington está confiante de que a BA fechará o ano com lucro, apesar da guerra.
Encomendas à Embraer canceladas
Complicadas estão as finanças da Swiss. A companhia suíça parece não sair da lama da falida antecessora Swissair. Neste caso, a guerra é mero agravante. Já em fevereiro a empresa começou a enxugar sua rede de vôos e sua frota. E ainda cancelou a metade da encomenda de 60 aviões à Embraer (tipos 170 e 195), além de adiar a entrega das primeiras unidades em um ano, para agosto de 2004. Com isto, a Swiss espera poupar 680 milhões de euros em investimentos este ano e reduzir suas despesas em 115,42 milhões.
No ramo da aviação de carga, o conflito no Iraque também causa estragos. Depois da Lufthansa Cargo, agora é a subsidiária cargueira da holandesa KLM a anunciar a cobrança de 10 cents de euro por quilo, a título de "adicional de guerra", em todos os transportes na Europa ou entre o Velho Continente e a Ásia e o Oriente Médio.
Segundo as previsões da IATA, os combates entre americanos, britânicos e iraquianos vão custar 10 bilhões de dólares às companhias aéreas até o fim do ano, assim como o cancelamento de 70 mil empregos. A demanda por vôos deve cair em 20%. Nos EUA, o impacto imediatamente após as primeiras bombas foi de 40%. Desde o início dos ataques, duas empresas faliram: a Hawaiian Airlines e a colombiana Avianca, a mais antiga da América Latina. Forte candidata neste sentido é a American Airlines, a maior do mundo, além da Swiss.