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Zeitgeist: Presidente e primeiro-ministro na França

9 de março de 2017

No Reino Unido ou na Alemanha, um premiê eleito pelo Parlamento ocupa o centro da ação política. Não na França, onde o protagonismo cabe ao presidente. Confira na coluna desta semana.

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Hollande e Cazeneuve
Presidente François Hollande (d) e seu atual primeiro-ministro, Bernard Cazeneuve Foto: Imago

O sistema de governo da França difere do de outros países europeus pela grande concentração de poder nas mãos do presidente, não sem motivo chamado de "monarca republicano". Quando ainda era líder da oposição, o socialista François Mitterand chamava a posição central dada ao presidente pela Constituição da 5ª República de "golpe de Estado permanente".

Essa situação contrasta com as da 3ª e 4ª Repúblicas, quando o Parlamento estava no centro do poder, e é uma reação à contínua instabilidade daquele sistema de governo, ocasionada por um Parlamento dividido, sem maiorias homogêneas e dominado por interesses pessoais. Somente no período entre o fim da Primeira Guerra Mundial e 1940, a França teve 27 gabinetes de governo.

No fim da 4ª República, a incapacidade de ação do governo se tornou um problema ainda maior diante dos desafios criados pela Guerra da Argélia. Assim, em 1958, o objetivo principal da nova Constituição era tornar a França governável. E a centralização de poder nas mãos do presidente se deve muito às ideias constitucionais do fundador da 5ª República, o general Charles de Gaulle.

Em essência, a nova Constituição francesa fortalecia o Executivo e enfraquecia o Parlamento. O voto direto para presidente foi introduzido em 1962 (o próprio De Gaulle, primeiro presidente da 5ª República, havia sido eleito por um pequeno grupo de eleitores), com o objetivo de dar legitimidade ao poder do presidente, que presta contas apenas aos eleitores.

Assim, na França o presidente não presta contas ao Parlamento, e suas ações não são controladas pela Justiça constitucional. Ele nomeia e destitui o gabinete de governo, composto pelo primeiro-ministro e pelos ministros, pode dissolver a Assembleia Nacional (câmara baixa do Parlamento) e é o comandante-em-chefe das Forças Armadas. Ele tem o poder de negociar e assinar acordos e tratados em nome da nação, bem como de ratificá-los.

Até hoje, a Assembleia Nacional foi dissolvida cinco vezes pelo presidente, a mais recente em 1997. Na época, o presidente Jacques Chirac tinha a maioria parlamentar, mas ela se mostrava dividida. Chirac optou então por dissolver a Assembleia. A manobra não deu certo, pois na eleição seguinte os eleitores lhe retiraram a maioria parlamentar.

Mesmo sendo nomeado pelo presidente, o primeiro-ministro pode ser derrubado pelo Parlamento. Isso aconteceu apenas uma vez, em 1962. Em tese cabe apenas ao primeiro-ministro a tarefa de governar. Na prática, porém, a sua submissão ao presidente faz com que este seja a figura dominante do Executivo.

Mesmo sem ter o direito de propor leis, é o presidente quem acaba determinando as linhas gerais do governo, com o primeiro-ministro desempenhando o papel de intermediário entre o chefe de Estado e o Parlamento.

A exceção à essa regra é a chamada coabitação, quando o presidente é de um partido e o primeiro-ministro, de outro. Isso ocorre quando o presidente não tem a maioria parlamentar, e o primeiro-ministro por ele nomeado não é aceito pelo Parlamento. Ou seja, na prática, o Parlamento impõe um primeiro-ministro ao presidente.

Essa situação aconteceu, por exemplo, nos anos de 1986 a 1988, quando o socialista Mitterand teve de aceitar o premiê conservador Chirac, e de 1997 a 2002, quando Chirac teve como primeiro-ministro o socialista Lionel Jospin. Para evitar essa situação, a reforma constitucional de 2000 reduziu o mandato presidencial de sete para cinco anos, fazendo-o coincidir com a legislatura. Desde então, não houve mais coabitação.

A coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias que ele recebe no dia a dia.