Amnistia: "Angola tem de esclarecer uso da força"
26 de junho de 2017No sábado (24.06), a Polícia Nacional e as Forças Armadas Angolanas (FAA) reagiram com balas de fogo a uma série de manifestações nas províncias do Moxico, Lunda Norte e Lunda Sul, convocadas pelo Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe.
Uma pessoa morreu, pelo menos dez ficaram feridas e várias dezenas foram detidas, segundo o Movimento do Protectorado, que convocou os protestos para exigir a autonomia desta região diamantífera e o fim das prisões arbitrárias contra ativistas.
Em entrevista à DW África a propósito dos acontecimentos nas Lundas, o diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal, Pedro Neto, afirma que o Governo angolano "tem de esclarecer o uso da força contra a população". E promete agir quando a ONG tiver mais desenvolvimentos sobre o caso.
A apenas dois meses das eleições gerais de 23 de agosto, a organização de defesa dos direitos humanos vê com "muita preocupação" a repressão que está a acontecer em Angola e a violação dos direitos de associação e de manifestação.
DW África: Como é que a Amnistia Internacional reage a este atos de violência em Angola? Estão a acompanhar o caso?
Pedro Neto (PN): Sim, chegou-nos essa informação, que vimos também na comunicação social, e estamos bastante alarmados com o que está a acontecer, precisamente porque a liberdade de expressão e de manifestação não pode ser nunca posta em causa, em qualquer situação. E entendemos que todas as pessoas, independentemente daquilo por que se manifestam, têm direito a fazê-lo.
Esta repressão que está a acontecer, quando estamos a dois meses das eleições, é muito, muito preocupante. São sinais que não esperamos ver de Angola e apelamos aos responsáveis que não os voltemos a ver. Nesta manifestação, perante as pessoas que foram feridas e alegadamente uma pessoa que foi morta, é preciso haver justiça para estes casos em particular. E também no que diz respeito aos direitos de associação, de manifestação e à liberdade de expressão, as pessoas têm de os ter, especialmente - e sublinho este timing - a dois meses de um ato eleitoral que se quererá livre e democrático, no qual todas as pessoas tenham direito a expressar a sua voz, as suas ideias e o seu pensamento, seja ele ou não sufragado diretamente.
DW África: O Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe anunciou que vai apresentar queixa à Procuradoria-Geral da República (PGR) e também a várias organizações internacionais. A Amnistia Internacional vai fazer algum pedido, alguma reivindicação junto das autoridades angolanas?
PN: Nós estaremos sempre muito atentos ao que está a acontecer no terreno. E mediante aquilo que nos chegar, faremos a nossa acção e o nosso trabalho de investigação e de apelo, como sempre fazemos. Neste caso concreto, aguardamos por desenvolvimentos para agirmos face ao que está a acontecer. Repito: não está em causa aquilo que as manifestações ou que A, B ou C querem. O que nós pedimos e sempre apelamos quase até à exigência é que as pessoas tenham liberdade e espaço para falarem das suas ideias e manifestarem as suas convicções.
DW África: Até porque esta não foi uma manifestação espontânea. Foi anunciada e comunicada às autoridades pelos organizadores. A Amnisitia Internacional acha que o Governo angolano deve esclarecer o uso excessivo da força contra a população?
PN: O Governo angolano tem de esclarecer o uso da força contra a população. Porque a força existe para proteção da população e não pode ser o contrário. Este, infelizmente, não é o primeiro episódio. Já há vários episódios de violência contra a população que se manifesta e mais preponderantemente em Luanda. O Governo angolano tem de explicar à população e à sociedade civil como é que estão e porque é que estão a acontecer estes incidentes.
DW África: Como já mencionou, a dois meses das eleições em Angola, este episódio pode ser visto como um mau sinal. A Amnistia Internacional receia novos episódios de violência no país?
PN: Há um ano, quando foram libertados prisoneiros de consciência, congratulamo-nos com este sinal e com o otimismo perante este sinal de estarmos também a caminhar para as eleições. Nós temos sempre muito cuidado e reservamo-nos sempre com muito conservadorismo em relação àquilo que possa acontecer. Receamos que, de facto, possa continuar a haver problemas, mas o nosso apelo e a nossa exigência é que estes episódios que, infelizmente, têm sido recorrentes não venham a existir mais, até porque não é aceitável que continuem a acontecer.