Campanha combate mutilação genital feminina na Guiné-Bissau
5 de setembro de 2016O Comité Nacional para o Abandono de Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau (CNAPN) está intensificando as atividades de combate à mutilação genital feminina no país. Desde o início do mês, as autoridades policiais que trabalham na fronteira com o Senegal recebem formação para evitar que meninas cruzem a região para serem submetidas à excisão genital no país vizinho.
A partir da quarta-feira, 7 de setembro, a campanha será desenvolvida também no aeroporto de Bissau, onde as autoridades receberão formação para informar aos visitantes sobre a legislação vigente no país, que criminaliza a mutilação genital feminina.
De acordo com a presidente da CNAPN, Fatumata Baldé, ao mesmo tempo que forma as autoridades para reforçar a implementação da lei, a campanha também quer evitar que meninas cheguem ao país ou deixem-no para serem submetidas àquela prática.
“É uma campanha que o comité nacional relançou, como forma de introduzir mecanismos de prevenção a nível das fronteiras, porque várias vezes as pessoas que detetamos no terreno são aquelas que estão a resistir ao abandono da prática, sem que haja ninguém que lhes questionem, que lhes perguntem para aonde vão com aquela criança”, afirma Baldé, que quer reforçar a vigilância pelas autoridades.
Reforço da legislação
De acordo com Fatumata Baldé, o principal desafio para combater a mutilação gernital feminina é a implementação da lei que criminaliza a prática. Por isso, o comité trabalha atualmente em diversos níveis da sociedade, explica Baldé.
“As tradições e as culturas atingem-nos em todos os níveis, sendo aquelas práticas (de excisão genital) tidas como parte da identidade cultural das comunidades. Daí a necessidade do reforço de capacidade em diferentes níveis”.
Entre os níveis de atuação do comité, Fatumata Baldé diz que o setor jurídico é um alvo em potencial para a implementação da lei. “Temos várias legislações hoje em dia, vários documentos que foram assinados, ratificados pelo país, mas que também os próprios magistrados não conhecem. Se os magistrados não forem informados sobre estes diferentes aspetos dos artigos, ficam insensíveis também relativamente à própria implementação dessas legislações”.
Medo de denunciar a clandestinidade
Outra barreira no combate à mutilação genital feminina é a omissão da sociedade, ressalta Baldé. “O problema que temos dentro das comunidades é que às vezes têm medo de denunciarem, porque acham que as famílias que cometerem o crime poderão depois perseguí-las. O que nós temos estado a fazer neste sentido é deixar os contatos do comité em todas as comunidades em que passamos, porque todos os casos que chegaram à Justiça até aqui são casos que foram denunciados diretamente pelo comité”.
Em 2014, o Inquérito aos Indicadores Múltiplos realizado no país verificou que 45% das mulheres de 15 a 49 anos e 30% das meninas de 0 a 14 anos foram vítimas da excisão genital.
O presidente do Movimento Internacional da Sociedade Civil na Guiné-Bissau, Jorge Gomes, vê com preocupação os casos de mutilação no país, que agora acontecem de forma clandestina, e reforça o papel das denúncias da sociedade.
“Agora as mulheres fazem aquilo de uma forma clandestina. Já houve casos que foram julgadas e condenadas, mas agora arranjaram uma estratégia de excisarem as crianças às vezes com três meses, dois meses, de modo que aquilo é uma situação muito grave”, enfatiza Gomes.
Sensibilização da sociedade
Para além das campanhas promovidas pelo CNAPN, outras entidades e organizações realizam o trabalho de sensibilização das comunidades em todo o país, com objetivo de coibir a prática da mutilação genital feminina.
A presidente da Rede Nacional de Luta Contra a Violência baseada no Género e Criança na Guiné-Bissau, Aissatu Camara, diz que é preciso levar mais informação às comunidades.
“As informações que se passam são duas: uma é informar da existência da lei, porque é para ser cumprida, e quem não cumprir a lei, mesmo sabendo ou não da existência da lei, se violar, é punida. A outra informação é aquela parte nefasta à saúde da pessoa humana, nós informamos, falamos das consequências daquela prática, que é já a parte sanitária”.
De acordo com Camara, as informações são repassadas de diversas formas às comunidades. “Em alguma vezes levamos alguns seriados com imagens do que pode acontecer a partir daquela prática, que é para a comunidade ter noção. Porque eles fazem sem conhecer a parte negativa”.
O presidente do Movimento Internacional da Sociedade Civil na Guiné-Bissau reconhece os esforços das organizações, mas afirma que enfrentam dificuldades de financiamento para executarem os trabalhos de prevenção e coibição das práticas de excisão genital feminina.
“Às vezes temos dificuldades. Num país carente como o nosso, quem financia esses casos são as organizações internacionais. E neste momento penso que há muitos financiamentos que estão suspensos por causa da situação sociopolítico vigente no país”, lamenta Gomes.