“Cidadão repórter” é o segredo do sucesso do jornal moçambicano @Verdade
30 de junho de 2014Começou esta segunda-feira (30.06), na cidade alemã de Bona, o Global Media Fórum (GMF). A sétima edição do evento internacional, promovido pela DW, que decorre até 02.07, tem como tema "Da informação à participação – os desafios dos meios de comunicação social”.
No GMF, um dos maiores eventos da Alemanha onde se discutem temas ligados aos meios de comunicação social, vários nomes e instituições ligados à área têm marcado presença nos últimos anos.
Dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) participam, este ano, o jornalista e ativista dos direitos humanos Rafael Marques, de Angola, e o jornalista Adérito Caldeira, diretor executivo do jornal @Verdade, de Moçambique.
A DW África conversou com o jornalista do semanário independente moçambicano, parceiro da DW, sobre as expetativas relativamente ao evento internacional, os impactos da nova forma de estar no jornalismo em Moçambique e a participação dos leitores na elaboração de conteúdos, sem esquecer a relação do jornal com os jovens que usam a linguagem da cibercultura e comunicam em “internitês”.
DW África: Quais são as suas expectativas em relação ao GMF?
Adérito Caldeira (AC): Há várias expectativas. O mote do Global Media Forum deste ano é para onde é que o jornalismo vai, como é que vai ser o jornalismo do futuro, principalmente com o impacto da internet.
Nós, como jovens inovadores em Moçambique, e apesar de não termos descoberto a pólvora sequer, também estamos a adaptar-nos em função dos novos meios que existem, das novas formas de comunicação.
E o nosso principal foco é como chegar a mais leitores. Apesar de nós em Moçambique continuarmos a achar que vamos continuar a precisar de muitos jornais impressos para os moçambicanos, a internet tem-nos possibilitado chegar a leitores que nós, a curto prazo, não conseguiríamos de forma nenhuma.
DW África: O jornal @Verdade é pioneiro em termos de empreendedorismo na comunicação social em Moçambique, com uma forte participação do público nos “social media”. Quais têm sido os impactos desta nova forma de estar em Moçambique?
AC: Tenho que citar o que ouviu há pouco [no GMF]. Havia um jornalista já bastante experiente que dizia: bom, antigamente os jornalistas também ouviam os leitores, só que não ligavam nenhuma.
Nós somos mais desta era em que falamos com os leitores a toda a hora. E, para nós, usar as novas tecnologias, usar as redes sociais, é muito mais do que fonte de notícia. É muito mais do que alguém que está do lado de lá. Para nós, os leitores são fonte de notícias novas.
Por exemplo, nas nossas edições diárias há pelo menos duas notícias que começaram através daquilo a que nós chamamos um “cidadão repórter”. É inestimável o uso que as redes sociais têm. E quando falo em redes sociais é muito mais que Facebook e Twitter. As redes sociais nascem novas, crescem outras e são uma forma não só de nós chegarmos aos leitores, mas de eles também participarem na produção de conteúdos.
DW África: Acha possível regulamentar esta nova plataforma, isto é, os social media, que agora ganha espaço ou acha que esta nova plataforma seguirá de forma livre, espontânea, sem nenhuma regulamentação?
AC: Em Moçambique, por exemplo, os maiores usuários da internet e da generalidade das redes sociais são os jovens. E o jovem, por natureza, está contra qualquer regra. Portanto, estar a tentar regulamentar para jovens é uma guerra perdida.
Claro que é preciso impor algumas regras, mas digamos que são regras que nós vamos negociando todos os dias com os nossos leitores. Porque a partir do momento em que levantarmos uma regra a dizer isto deve ser assim, aquele leitor que não concordar deixa de ser nosso leitor. Vai acontecer exatamente isso.
DW África: Há uma espécie de cumplicidade entre o jornal @Verdade e os jovens neste contexto de “revolução”, por assim dizer?
AC: Concordo que é revolucionário, e se calhar até pode parecer um bocado irresponsável a forma como nós lidamos com estes assuntos, como por exemplo em relação aos comentários. Nós temos um problema cada vez maior em Moçambique na educação. Os jovens escrevem e falam cada vez pior português e também escrevem em linguagem de internet. E muitos dos nossos comentários são em linguagem de internet, com as consoantes todas com que vemos os jovens a escrever.
Nós decidimos, já há alguns anos, que não editamos os comentários porque é uma realidade que há muito jovens que comunicam neste “internitês” e eles entendem-se. Se nós estivermos a editar, não digo que eles deixam de nos entender, porque eles lêem as notícias bem escritas e revistas em português, mas estaríamos, de certa forma a entrar no direito, na liberdade que eles têm de se expressarem daquela forma, apesar de não estar naquele português correto que todos aprendemos na escola.