Crise no Sudão: Violência sexual como arma de guerra
4 de julho de 2024Halima (nome fictício) já viveu em vários campos para pessoas deslocadas. Sempre que pensava que finalmente tinha encontrado segurança, acontecia outro ataque, fazendo-a ter de procurar novo abrigo.
Em junho de 2023, paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF, sigla inglesa) atacaram a zona de El Geneina, a capital de Darfur Ocidental, onde vivia com a família na altura.
"Encontraram no meu quarto e quatro deles ameaçaram-me com armas. Um deles asfixiou-me o pescoço e violou-me", contou Halima à DW.
Halima sofreu vários ferimentos, mas acabou por conseguir fugir, atravessando a fronteira com o Chade. No país vizinho sentiu-se segura, mas não conseguiu encontrar a ajuda médica de que tanto precisava.
Muitas mulheres e crianças no Chade denunciam casos semelhantes. Relatos de violência sexual nos campos de deslocados do país também têm vindo a aumentar.
Violência e etnias
A maioria das pessoas que atravessou a fronteira do Sudão, devastado pela guerra, encontra-se atualmente em campos de deslocados no leste do Chade em cidades como Adré.
Halima é uma delas. Acredita que foi violada principalmente por pertencer ao grupo étnico Massalit, predominante na cidade de El Geneina, brutalmente atacada pelas Forças de Apoio Rápido no ano passado.
Outra jovem deslocada, Hadija (nome fictício), partilha da convicção de Halima. Conta que o agressor perguntou-lhe a tribo a que pertencia.
"Não lhe disse que era Massalit. Disse-lhe que pertencia à tribo Fur", recorda.
Ameaçou matá-la se fosse Massalit, acrescentando que os Massalit nunca mais possuiriam terras no Sudão.
As histórias destes sobreviventes são acompanhadas pela organização Human Rights Watch, que documentou numerosas atrocidades de natureza semelhante, alertando para um potencial genocídio que possa estar a acontecer contra o povo Massalit no Darfur Ocidental.
A DW contactou o grupo Forças de Apoio Rápido, mas não obteve resposta.
A maior crise de deslocados do mundo
Num relatório sobre a violência baseada no género publicado no final de 2023, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) referiu que as mulheres e as raparigas no Sudão tiveram de suportar o peso das consequências do conflito no país, incluindo um aumento "alarmante" dos níveis de violência sexual.
Muitas das pessoas que procuram asilo noutros locais afirmam ter sofrido ou testemunhado assédio, rapto, violação, agressão sexual, exploração sexual e outras formas de violência durante as suas viagens para um local seguro.
Há mais de um ano que as forças armadas sudanesas combatem as Forças de Apoio Rápido numa batalha pelo controlo do país.
O conflito obrigou milhões de pessoas a fugir das suas casas desde abril de 2023, elevando o número de deslocados para cerca de 12 milhões até junho de 2024.
O Comité Internacional de Resgate (IRC, sigla inglesa) refere que mais de dois milhões de requerentes de asilo procuraram refúgio nos países vizinhos desde o início do conflito. Mas a grande maioria - mais de 10 milhões de pessoas - permanece no Sudão, representando a maior crise de deslocados do mundo.
As organizações de ajuda humanitária sublinham que há uma enorme escassez de financiamento para fazer face à situação no Sudão e em toda a região.
Aumentam casos de violação
Abdirahman Ali, Diretor Nacional da CARE Internacional no Sudão, confirmou o rápido aumento da taxa de violência baseada no género registada em todo o Sudão, particularmente nas áreas que estão atualmente a testemunhar maior violência, como Darfur, Cartum, Estado de Al Jazirah e outras áreas.
À DW, Ali explica que, especialmente nos campos de refugiados, a violência contra mulheres e raparigas continua, acrescentando que a situação está a ser exacerbada pelas dificuldades na prestação de assistência alimentar de emergência, água potável e assistência médica.
O maior desafio, sublinha, é o transporte de material de saúde e nutrição através da fronteira do Chade para o Sudão, para as pessoas deslocadas internamente.
"Há muitas zonas [onde] não nos é possível aceder ou mesmo prestar assistência devido ao conflito em curso e às restrições que não nos permitem, enquanto trabalhadores humanitários, chegar às pessoas necessitadas", afirmou.
Segundo o Comité Internacional de Resgate, 90% das pessoas que atravessam as fronteiras da região em busca de segurança são mulheres e crianças, sendo que um quinto das crianças sofre atualmente de desnutrição aguda.
Grave crise humanitária
Antes de o conflito começar, o Sudão já estava a passar por uma grave crise humanitária devido à instabilidade política de longa data e às pressões económicas no país.
A guerra só veio agravar estas condições, deixando quase 25 milhões de pessoas - mais de metade da população do Sudão - em situação de carência, diz o IRC.
Entretanto, mais de 600.000 pessoas atravessaram a fronteira para o Chade, que já tinha acolhido 400.000 refugiados sudaneses antes do início do conflito.
Obrigações em matéria de direitos humanos ignoradas
Abdirahman Ali exige que as partes envolvidas no conflito cumpram as suas obrigações ao abrigo do direito humanitário internacional para proteger a população civil e as infraestruturas.
Para que a situação dos direitos humanos melhore, sublinha que os trabalhadores humanitários que prestam assistência também precisam de ter garantias.
"É necessário que as partes em conflito se sentem à mesa das negociações e garantam que esta crise seja travada. Está a causar um sofrimento humano indescritível ao povo do Sudão", disse à DW.
Apesar do trauma, Halima espera recuperar a sua antiga vida.
"Se a situação melhorar, quero ir para a universidade. Sou parteira, mas quero tornar-me médica", conclui.