Economista defende mudanças de fundo em Moçambique
17 de maio de 2016A descoberta recente de uma dívida de 1,4 mil milhões de dólares, que não constava das contas públicas em Moçambique, está a acentuar o aumento dos preços e a fragilizar a economia do país. O grupo de 14 doadores do Orçamento do Estado moçambicano congelou os seus pagamentos. Os Estados Unidos da América anunciaram que vão rever o financiamento de 400 milhões de dólares anuais a Moçambique.
Em entrevista à DW África, o economista moçambicano João Mosca diz que, para recuperar a confiança dos financiadores externos, é preciso, primeiro que tudo, promover a transparência e responsabilizar quem cometeu as alegadas irregularidades. Em segundo lugar, seria necessário renegociar a dívida de Moçambique com os doadores, principalmente com o Fundo Monetário Internacional.
DW África: Como sair desta crise da dívida em Moçambique?
João Mosca (JM): Neste momento, só existe possibilidade de sair da crise caso exista a continuação dos grandes influxos externos, sobretudo do financiamento à balança de pagamentos e àquilo que for decidido ser correto financiar-se no Orçamento do Estado. No entanto, para quase todos os doadores, é claro que o financiamento direto ao Orçamento do Estado, de forma cega, vai praticamente deixar de existir, optando-se pelo financiamento de projetos específicos com objetivos concretos e com prazos, para tornar essa cooperação externa mais eficaz.
DW África: O Presidente Filipe Nyusi está em visita oficial na China, um dos principais financiadores de Moçambique. Se concretizados, novos empréstimos feitos pelo Governo chinês podem agravar ainda mais a crise da dívida moçambicana?
JM: Não sei qual será o desfecho desta visita à China. Mas se a China cobrir parcialmente a dívida, contraindo-se uma nova dívida para pagar a dívida anterior, haverá um adiamento do problema e talvez um agravamento a longo prazo, porque estaríamos a pagar juros sobre juros. Não me parece que isso seja muito bom, embora a curto prazo possa aliviar certas necessidades urgentes de dinheiro que o Estado tem, devido à situação do Orçamento do Estado neste momento.
DW África: Como é possível reduzir essa dívida?
JM: O Estado moçambicano consome, neste momento, mais de 45% da riqueza nacional. É um Estado onde só os gastos com os funcionários públicos representam 11% do PIB (Produto Interno Bruto), cerca de 60% do Orçamento do Estado. Talvez se pudesse começar por aí. De resto, penso que seria uma ótima oportunidade para o Governo iniciar, de facto, mudanças de política económica fundamentais, que conduzam a uma reestruturação importante e profunda do atual modelo económico de desenvolvimento.
Este é um Estado muito pesado e pouco eficiente. Portanto, é preciso modernizar o setor público para o tornar mais eficiente e leve e com maior capacidade de fiscalização da atividade económica e social – garantindo que a legislação vigente é cumprida, nomeadamente na questão da terra, da exploração dos recursos naturais, de certo tipo de exportações. Existe aí um certo mercado selvagem em desenvolvimento que não beneficia nem o país, nem os moçambicanos. Esses aspetos têm de ser revistos e o Estado dever capacitar-se para fiscalizar e fazer cumprir a lei em Moçambique, coisa que hoje não acontece em muitos setores da atividade económica.
DW África: O crescente aumento de preços e a incapacidade do Governo moçambicano de gerir as suas contas pode levar a população às ruas, como nos motins de 2010?
JM: Os preços estão a subir muito e o nível de importações de bens essenciais está a decrescer, sobretudo das famílias de rendimento baixo. A criminalidade à volta da capital está a aumentar de forma dramática. Todos estes são indicativos fortes de que existem pronúncias de uma situação social muito tensa que pode agravar-se a qualquer momento. O Estado tem ainda mantido alguns tipos de subsídios, por exemplo ao combustível, aos transportes públicos, à energia e água, mas não sei até que ponto terá possibilidades financeiras de continuar a suportar este tipo de subvenções.