Portugal quer fazer a ponte entre a União Europeia e África
10 de fevereiro de 2021Numa entrevista exclusiva concedida à DW África, o ministro português da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, defende que a Europa precisa de trabalhar em estreito diálogo político com o continente africano para produzir resultados mais concretos na área da segurança.
"O que quero fazer durante estes seis meses de Presidência é criar uma oportunidade para que os meus colegas, ministros da Defesa da União Europeia, possam dialogar com os seus colegas africanos", começou por dizer.
"[O diálogo] é a chave para o relacionamento entre as duas partes nestes tempos que vivemos de grandes desafios em matéria de estabilidade e defesa no continente africano", acrescentou.
João Gomes Cravinho considera também fundamental uma aproximação política a organizações regionais como a União Africana (UA), a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) ou a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
"Convidaremos alguns interlocutores africanos representativos das diferentes regiões de África para conversarmos sobre aquilo que se passa, por exemplo, na República Centro-Africana (RCA), no Mali, no Sahel mais generalizadamente, ou também em Moçambique", frisou.
Reforço da segurança marítima
Para o governante português, além de missões terrestres em países como o Mali, a Somália e a República Centro-Africana, a Presidência portuguesa da UE também equaciona o reforço da dimensão marítima no plano da Defesa.
"Cerca de 80% do comércio europeu para fora da Europa vai por mar. 40% do comércio europeu dentro da Europa vai por mar também. E o que nós verificamos é que, ao longo destes últimos dois ou três anos, a região do Golfo da Guiné – que é uma região estratégica por onde passa muito do comércio que vai para a Europa – tem vindo a ser o principal palco de pirataria internacional", asseverou.
No ano passado, mais de 90% dos casos mundiais de pirataria foram registados no Golfo da Guiné, segundo dados do International Maritime Bureau (IMB).
Por isso, a UE quer "dar um contributo prático para a estabilidade e a segurança no Golfo da Guiné", através de "presenças marítimas coordenadas".
"É um mecanismo através do qual se fará uma coordenação de calendários, com a passagem de informação de um navio para outro, para que haja um conhecimento situacional marítimo comum, partilhado e constante", explicou João Gomes Cravinho.
UE sozinha "não resolve problemas"
Luís Manuel Bernardino, especialista em assuntos militares e em relações internacionais, considera "exequível" o plano de ação comunitário pelo contributo que pode dar para o reforço da segurança marítima, nomeadamente na região do Golfo da Guiné, mas também nas regiões do Corno de África e do Sahel.
"A UE não vai, só por si, resolver os problemas da segurança marítima ligados à pirataria ou ao narcotráfico, mas vai sim, integrando aquilo que é a designada 'Arquitetura de Yaoundé', contribuir para o apoio regional no âmbito do combate a esta criminalidade", esclareceu.
Para o autor do livro "A Arquitetura de Segurança e Defesa na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa", a UE "é um ator fundamental" neste domínio, mas não cabe aos 27 Estados-membros resolver todos os problemas.
"Pensamos que poderá, de alguma forma, contribuir para uma reflexão, para uma ação e para o desenvolvimento de uma estratégia que [conduza] para mais segurança, nomeadamente na região do Sahel e do Golfo da Guiné", indicou.
Segundo o ministro português João Gomes Cravinho, estas temáticas estarão na agenda da cimeira UE-África que foi adiada e cuja nova data ainda não é conhecida.