Produção de celulose ameaça o centro de Moçambique
27 de novembro de 2017A produção de celulose para o mercado internacional está a ameaçar a segurança alimentar de comunidades rurais e o ecossistema das províncias da Zambézia e Manica, no centro de Moçambique.
O estudo intitulado "Usurpação de terra para celulose", realizado por um grupo de organizações não-governamentais internacionais, critica a aquisição de terras em larga escala para a plantação de eucalipto naquelas províncias. Segundo as ONGs, este processo ocorre desde 2010 e já afeta centenas de famílias.
A responsável pelas plantações é a empresa Portucel Moçambique, pertencente à multinacional portuguesa The Navigator Company. A empresa também já tem planeada para 2023 uma fábrica, que irá duplicar a sua capacidade de produção mundial de celulose, que pretende atender principalmente o mercado asiático.
Impactos ambientais
Sergio Baffoni, da Rede Ambiental do Papel (EPN, sigla em inglês), uma das ONGs que assinam o estudo, afirma que as plantações de eucalipto situam-se em zonas de alto risco de desflorestação.
"Nesta região do país há um mosaico de diferentes ecossistemas, principalmente as florestas de miombo, mas também com fragmentos de florestas das montanhas africanas, que é um habitat bastante raro. A região já tem sido muito utilizada e o risco é que a nova expansão de plantações poderá destruir direta e indiretamente estas áreas", explica.
A plantação de eucalipto, aponta Baffoni, também pode acarretar outros danos ao meio ambiente, como a erosão do solo e a redução da água disponível. Segundo o estudo das ONGs, estas árvores absorvem grande quantidade de água do solo, o que pode afetar o potencial agrícola das áreas e colocar em risco a segurança alimentar das comunidades.
O lado social
Além do impacto ambiental, a atuação da Portucel Moçambique tem sido criticada também pelas implicações sociais. O ambientalista questiona a forma como as terras foram adquiridas.
"Há um acordo entre a Portucel e o Governo, mas isto não está de acordo com a lei, porque as terras ocupadas por camponeses não podem ser atribuídas a terceiros sem o consentimento das comunidades locais. E houve, por parte da empresa, não do Governo, um processo para pedir este consentimento. Mas este processo foi insuficiente, também porque a maior parte foi feita em português, em locais onde as pessoas falam outras línguas".
O coordenador executivo da União Nacional dos Camponeses de Moçambique, Luís Muchanga, está a acompanhar o processo junto às comunidades da Zambézia e Manica, e afirma que "foi constituída uma comissão da própria Portucel para garantir que os direitos das comunidades sejam salvaguardados". No entanto, garante Muchanga, "esta comissão não se faz sentir".
"Problemas criados no passado"
O representante da União Nacional dos Camponeses diz que o Governo moçambicano está a dar sinais de que poderá rever o acordo de concessão de terras que foi iniciado anos atrás com a Portucel.
"Pelo lado do Governo, posso referir que nos dois últimos anos tem havido alguma sensibilidade em aceitar aquilo que é a preocupação da sociedade. Agora vamos ver até onde é que, de facto, esta abertura poderá de alguma forma colmatar os grandes problemas que foram criados no passado na gestão e governação de terra em Moçambique".
Entretanto, Sergio Baffoni espera que a Portucel Moçambique reformule o processo como adquiriu as terras e se instalou para a produção de celulose no centro do país.
"Sugerimos à empresa é que recomece o processo de consulta junto às comunidades, respeitando o princípio do consentimento livre, prévio e informado. E que refaça isto antes que seja tarde demais", concluiu.
A DW África entrou em contato por telefone e e-mail com a Portucel Moçambique, mas não obteve resposta.