Xenofobia na África do Sul domina cimeira da SADC em Harare
29 de abril de 2015Oficialmente a violência xenófoba contra estrangeiros na África do Sul não é o principal tema de discussão na cimeira extraordinária da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) cujos trabalhos têm lugar esta quarta-feira (29.04) em Harare, capital do Zimbabué. O desenvolvimento industrial da região austral do continente africano é o tema oficial.
Entretanto, muitas vítimas da xenofobia são oriundas de países membros da organização regional. Por outro lado, a sociedade civil moçambicana exige uma atitude mais vigorosa do seu Governo neste caso, que resulte na penalização dos criminosos.
De salientar que Filipe Nyusi participa pela primeira vez na cimeira na qualidade de Presidente de Moçambique.
Sobre o assunto a DW África entrevistou o analista político moçambicano Silvério Ronguane.
DW África: Será que a SADC tem como prática não evidenciar os temas "quentes" na agenda das suas cimeiras?
Silvério Ronguane (SR): Houve uma lei que estipulou e tende dar a entender que para a filosofia que foi desenvolvida na África Austral não existem países independentes, mas um único povo que está disseminado por várias regiões. Então, essa mística faz com que sejam desenvolvidos muitos tabús em relação à própria agenda das questões que devem ser discutidas e isso leva sem dúvida a que essas coisas aconteçam.
DW África: Recentemente o Governo sul-africano deu sinais de que pretende cortar esta tendência. Aliás o Presidente Jacob Zuma disse que este é um problema cuja responsabilidade tem que ser partilhada com os países vizinhos. Acha que podemos ter uma SADC diferente, uma vez que um dos seus membros assume isso publicamente?SR: Isto já está a ser assumido pelas elites dos povos desses países. A forma como os sul-africanos são tratados pela polícia em Moçambique é diferente do tratamento dado aos moçambicanos pela própria polícia. Da mesma maneira os moçambicanos são tratados pela polícia sul-africana. Diferente dos seus compatriotas. Portanto este é um crescimento normal e esta assunção que está a ser feita pela África do Sul, e dado o facto da África do Sul ter sido governado durante muito tempo pelos boers, que tinham e assumiam claramente uma agenda diferente dos seus vizinhos, é o retomar simplesmente daquilo que a África do Sul tem feito. Por ter sido governado durante muito tempo por um outro tipo de pessoas com outra filosofia sempre esteve reticente. Acredito que agora com um amadurecimento as pessoas percebem que apesar de partilhar esta irmandade tem em vários momentos manifestado a sua identida própria, diferente de Moçambique. O Zimbabué, apesar dos apelos dos líderes da SADC continua na sua política doméstica de hostlização aos farmeiros. Portanto eu penso que mais tarde ou mais cedo iríamos entrar por este caminho em que cada país defende os seus interesses e busquem estratégias próprias para resolver os seus próprios dilemas.
DW África: A sociedade civil moçambicana e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) exigem uma ação mais vigorosa por parte do Governo. Acha que esta pressão levará por sua vez o Presidente Moçambicano , ue participa pela primeira vez na cimeira da SADC na qualidade de chefe de Estado, a pedir ações mais concretas à África do Sul?
SR: Não só ações mais concretas. Tem que se perceber que esta discussão tem sido feita em termos de condenar a África do Sul e de apelar o Governo. Mas existe um conjunto de aspetos, que não têm sido feitos, como por exemplo, os que voltam como têm sidos recebidos? Tem havido uma assistência psicológica e psico-social? Porque para alguém que perdeu os seus bens não é só receber essa pessoa e deixar-lhe o mais próximo da sua casa ou da sua aldeia. Um indivíduo que vivia e trabalhava na África do Sul há 20 anos e que estava a 10, 15 anos da reforma, como estão assegurados os seus direitos uma vez que já fez muitos descontos? É preciso que o Estado moçambicano tenha uma política de assistência jurídica para a garantia patrimonial dos que estão a ser expulsos da África do Sul.
Problemas da região devem ser discutidos no seio da SADC e da UA
As violências xenófobas, que fizeram oficialmente sete mortos e milhares de refugiados em Durban e Joanesburgo durante as três primeiras semanas de abril, atingiram principalmente moçambicanos, congoleses, malauianos e zimbabueanos. E as reações nos países vizinhos foram muito fortes.
Observadores notam que o Presidente sul-africano Jacob Zuma, “reenviou a bola” aos seus homólogos da região austral do continente africano, ao discursar na passada segunda-feira (27.04) em Pretória por ocasião da festa nacional.
“Algumas das questões levantadas pelos representantes dos cidadãos estrangeiros devem na verdade serem discutidas, primeiro no âmbito da SADC e também no seio da União Africana”, destacou Zuma.
“Alguns deles fizeram graves acusações contra os seus próprios países para explicar porque decidiram viver na África do Sul”, insistiu Zuma sem contudo fazer quaisquer acusações.
“Se talvez tenhamos um problema de xenofobia, os nossos países irmãos também contribuiram para que tal acontecesse. Porquê os seus cidadãos não estão nos seus respetivos países?”, perguntou o presidente sul-africano.
O Presidente do Zimbabué Robert Mugabe, nomeadamente, é muito criticado por ter arruinado a economia do seu país, forçando milhões de pessoas a procurarem trabalho na África do Sul.