Guiné-Bissau: Revisão constitucional reacende instabilidade
11 de dezembro de 2020O Presidente Umaro Sissoco Embaló, que em maio instituiu uma comissão de revisão constitucional, considerada por muitos políticos inconstitucional, tem sido acusado de violar a Constituição, com uma série de nomeações e medidas polémicas. Neste momento, há duas comissões parlamentares a trabalhar na revisão da lei magna. Além da equipa do Presidente, que já concluiu os trabalhos, há uma outra instituída pela Assembleia Nacional Popular (ANP).
A falta de consenso é clara e o líder do Parlamento, Cipriano Cassamá, posicionou-se, recentemente, sobre o assunto, ignorando a equipa técnica apoiada pelo chefe de Estado.
"Realmente, as divergências políticas vêm daquilo que tem sido o comportamento político do homem guineense, não propriamente na interpretação dos instrumentos jurídicos, que, realmente, conduzem a esta intenção política de chegar ao poder", comenta o jurista guineense Luís Peti.
Revisão visa reforço de poderes
O projeto de revisão da Constituição de Sissoco Embaló pretende reforçar os poderes do Presidente e inclui a criação de um Tribunal Constitucional - com juízes nomeados pelo chefe de Estado. Entre uma chuva de críticas, o Parlamento já "reprovou" a proposta do responsável máximo do país, sublinhando que é o único órgão a quem cabe a revisão constitucional.
Para Fodé Mané, antigo reitor da Universidade Amílcar Cabral e membro da comissão da revisão constitucional criada pelo Parlamento guineense, "deve haver consenso entre a Assembleia, a Presidência, o Governo e a sociedade em geral".
"Se o Presidente propuser algumas alterações e se não tiver a maioria, a Assembleia não aceita, e se isso acontecer, não há revisão constitucional. E mesmo havendo consenso na Assembleia, ou havendo unanimidade, como no caso da Constituição de 2002 [não foi vetada, nem promulgada], pode ser vetada pelo Presidente", esclarece.
Segundo Mané, "não há sinais" que justifiquem a queda da ANP neste momento.
Numa altura em que ainda se crítica e questiona a constitucionalidade da nomeação de um vice-primeiro-ministro, o Presidente Umaro Sissoco Embaló disse na semana passada que não precisa de consultar a Constituição da República para tomar determinadas decisões. A posição de Embaló é tida por alguns observadores políticos como mais um sinal de "incompatibilidade" entre a atual Constituição e o chefe de Estado.
"A constituição precisa de ser revista, porque é necessário a Guiné-Bissau definir qual é o sistema de governação que quer. Se for ver o texto da Constituição, encontra uma mescla de artigos que deixa confuso qualquer jurista. Há um artigo que diz que o Presidente da República pode presidir ao Conselho de Ministros quando entender. Mas há um chefe do Governo", realça o jurista Fransual Dias.
Dissolução do Parlamento?
Esta quinta-feira (10.12), o chefe de Estado convocou os partidos políticos e o Conselho de Estado para o próximo dia 17, depois de se ter reunido com a Comissão Nacional de Eleições (CNE) para debater a possibilidade de dissolver a ANP e convocar eleições legislativas antecipadas.
Segundo a Constituição da Guiné-Bissau, a dissolução do parlamento é uma das competências do chefe de Estado desde que haja uma grave crise institucional.
Os partidos políticos com representação parlamentar no país reagiram de forma cautelosa, com alguns a recusarem comentar e outros a salientar que o Presidente tem essa competência, mas afirmando que não há uma crise institucional.
Por outro lado, o chefe de Estado guineense não concorda com a intervenção de alguns parlamentares no hemiciclo, tendo ameaçado fazer justiça pelas próprias mãos, caso falem mal dele no Parlamento.
À DW África, o deputado e líder da União para a Mudança (UM), Agnelo Regala, afirma que não se deixa intimidar pelas declarações do chefe de Estado até porque, na sua opinião, "o Presidente da República não tem qualquer razão".
"Os deputados são livres e a Constituição é bem clara. Nós convidamos o presidente da ANP a oferecer ao Presidente da República uma Constituição, para que ele a possa ler, porque já estamos habituados aos Presidentes que dizem não conhecer a constituição", critica.
"Os deputados vão continuar a falar e querem ver qual é a ação que o Presidente vai empreender em relação aos deputados que dão a sua opinião", admite.
As sugestões para a revisão da Constituição da República da Guiné-Bissau não são de agora. Há muito que a medida tem vindo a ser recomendada por várias entidades nacionais e internacionais, particularmente a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que tem mediado as persistentes crises políticas no país. Para uma aprovação, são precisos pelo menos 68 votos a favor dos 102 deputados com assento parlamentar.