Todos querem mudanças em Angola
22 de agosto de 2017"O povo quer mudança", escreveu um estudante angolano no Twitter a poucos dias das eleições gerais em Angola. Não é o único a dizê-lo. A palavra "mudança" repete-se em comentários sem conta nas redes sociais e parece ser o tónico que revigora os discursos eleitorais após 42 anos de governação do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
O cabeça-de-lista do partido no poder, João Lourenço, é dos primeiros a auto-proclamar-se como agente da mudança. Estas são as primeiras eleições sem José Eduardo dos Santos na corrida à Presidência da República, e Lourenço garante que, se for eleito, as coisas vão mudar: "O MPLA é o único, das seis formações políticas concorrentes às eleições gerais, que, efetivamente, está a fazer a mudança", afirmou o candidato, também apelidado na internet de "JLo". O MPLA promete "corrigir o que está mal", incluindo a corrupção endémica e a "má aplicação dos recursos públicos".
Mas a oposição duvida das promessas de João Lourenço e reclama para si a bandeira da mudança. Isaías Samakuva, o líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), apelou durante a campanha eleitoral a uma mudança no Executivo angolano "sem revanchismos": "Vamos mudar. Também aquele que é do MPLA está a sofrer. A água que você não tem, ele também não tem. A eletricidade que não chega ao seu bairro, também não chega a ele."
No Twitter, a Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE) é a formação política que mais apregoa a #Mudancaem2017. A CASA-CE usa o termo no slogan de campanha e o seu cabeça-de-lista, Abel Chivukuvuku, já foi inclusive denominado como "furacão da mudança".
Outros partidos afinam pelo mesmo diapasão: o Partido de Renovação Social (PRS) prometeu, por exemplo, "recuperar a esperança e devolver a dignidade" aos angolanos; a Aliança Patriótica Nacional (APN) lembrou que o "povo já tem uma certa maturidade" e que é necessário trabalhar "para que desta vez a alternância ao poder seja um facto"; a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) pediu "mudanças para o progresso do país".
Ganhe quem ganhar
Os partidos respondem a um anseio da população. André Augusto, da organização não-governamental SOS Habitat, é um dos membros da sociedade civil que se mostram esperançosos numa mudança.
Na página da DW África no Facebook, Óscar Paulo Mendes, um cidadão angolano a viver em Luanda e que se confessa apaixonado pelo seu país, também pede alterações - "não importe quem ganhar". Figueiredo Cassinda acredita que "o voto massivo da juventude contra o MPLA" poderia trazer uma mudança governativa, pois "nota-se que a juventude angolana, na sua maioria, ganhou a consciência de que o MPLA afinal é um fator de desestabilização social no país. […] É uma juventude que está abandonada à sua sorte por este regime". Quintino Medi não acredita, porém, que as eleições gerais de quarta-feira tragam grandes novidades: O "povo angolano […] está ainda fascinado e cativado com a retórica falaciosa do MPLA, que nunca faz a diferença depois. Tenho [ainda] imensas dúvidas que, [caso haja uma] eventual mudança, a atual oposição seja capaz de a transformar na realização do sonho dos angolanos, pois ninguém inspira a idoneidade para assumir as rédeas da governação de Angola", escreveu Medi no Facebook.
O sobe e desce estatístico
Uma sondagem polémica, atribuída às empresas Marketpoll/Sensus e citada em agosto pelo portal "Maka Angola", previa uma vitória do MPLA com apenas 38% dos votos. A UNITA conseguiria 32% dos votos e a CASA-CE 26%. A sondagem foi desmentida pelas empresas, mas foi, alegadamente, vazada na internet, em formato pdf.
Outra sondagem, divulgada em julho, também apontava para uma diminuição da percentagem de votos para o MPLA (com mais de 60% das intenções de voto, segundo o estudo, contra 71,85% dos votos obtidos em 2012) e para a subida da CASA-CE para o lugar de primeiro partido da oposição.
Mas, apesar do sobe e desce estatístico, não haverá uma mudança radical governativa nestas eleições, a confiar nas sondagens: em ambas, o MPLA sai vitorioso. Se isso se confirmar a 23 de agosto, o partido nomeará automaticamente o próximo Presidente e chefe de Governo, de acordo com a Constituição angolana.
Denúncias e transparência
Em entrevista à DW África, o ativista luso-angolano Luaty Beirão afirmou que, mais importante do que haver mudanças, é que o processo eleitoral seja "transparente".
Ao longo da campanha para as eleições gerais, houve várias denúncias de irregularidades – por exemplo, na cobertura mediática das atividades dos partidos.
A organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch criticou a recomendação do Ministério angolano do Interior para proibir manifestações que não fossem de partidos políticos concorrentes às eleições gerais.
Houve também várias denúncias sobre a colocação de eleitores em listas de assembleias de voto a milhares de quilómetros das suas residências. A oposição queixou-se ainda de alegadas ilegalidades na contratação de duas empresas que participaram nas eleições de 2012, a SINFIC e a INDRA, para elaborar os cadernos eleitorais e fornecer o material de votação e o sistema informático, respetivamente. As empresas foram novamente contratadas apesar de alegações de fraude. Será que haverá mudanças no dia 23?
A propósito destas eleições, um cidadão angolano gracejava no Twitter: "Política em Angola é tipo carro... O povo quer mudança, mas o regime é automático".