"UA teve resposta marginal às crises em África em 2020"
10 de janeiro de 2021"A resposta do Conselho de Paz e Segurança da União Africana (CPS) às crises emergentes em 2020 foi marginal", defendeu a investigadora do Instituto de Estudos de Segurança (ISS), Shewit Woldemichael, numa análise sobre a "realidade da resposta da União Africana às crises" no continente.
Para Shewit Woldemichael, as limitações da intervenção da organização pan-africana devem-se "principalmente aos princípios de soberania nacional (não-ingerência) e subsidiariedade" para cima, para as Nações Unidas, e para baixo para as comunidades regionais, que "continuam a ditar o papel da UA na prevenção e resposta a conflitos em África".
Isto, apesar do princípio de não-indiferença, previsto nos estatutos da organização, notou.
Cabo Delgado, Moçambique
A análise da investigadora surge numa altura em que são cada vez mais as vozes críticas da alegada passividade da União Africana perante crises como a de Cabo Delgado, em Moçambique, ou o conflito na região de Tigray, na Etiópia, país onde está a sede da organização.
Em 2020, o CPS, responsável pela coordenação e supervisão na implementação das decisões relacionadas com a paz e segurança, discutiu a situação na República Democrática do Congo, República Centro-Africana, Gâmbia, Somália, Sudão, Sul do Sudão e Líbia.
Também discutiu os problemas no Mali e na Guiné-Bissau, mas atribuiu o papel de liderança à Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) na procura de soluções para as "crises políticas e institucionais".
O Mali esteve duas vezes na agenda do CPS antes do golpe militar em agosto de 2020 ter afastado o presidente Ibrahim Boubacar Keïta do poder, o que levou à suspensão do Mali até outubro, quando um Governo de transição liderado por civis assumiu o poder.
Conselho ainda não se pronunciou
No caso de Moçambique, o conselho ainda não se pronunciou sobre a ameaça que o país enfrenta devido ao terrorismo e ao extremismo violento, "apesar de decisões e declarações anteriores que salientam a urgência de responder ao terrorismo em África", assinalou a investigadora
O conselho "não discutiu qualquer crise que não tivesse assinalado em anos anteriores. Por conseguinte, é difícil dizer que cumpriu o seu papel crítico na prevenção de conflitos e na resposta precoce", considerou Shewit Woldemichael.
A investigadora ressalvou, contudo, que quer o presidente em exercício da UA, o chefe de Estado sul-africano Cyril Ramaphosa, quer o presidente da comissão da UA, Faki Mahamat, "desempenharam um papel mais ativo", alertando para potenciais crises em 2020.
Apontou, nomeadamente, o "papel fundamental" de Ramaphosa para facilitar as negociações entre o Egito, a Etiópia e o Sudão sobre a Grande Barragem Etíope do Renascimento.
"O envolvimento da UA tem ajudado a desanuviar as tensões que se agravaram após uma tentativa falhada de mediação por parte dos Estados Unidos", apontou.
Joaquim Chissano, enviado especial da UA para Etiópia
Ramaphosa também nomeou três ex-presidentes, incluindo o moçambicano Joaquim Chissano, como enviados especiais da UA para a Etiópia, depois de Faki Mahamat ter manifestado preocupação com a escalada do confronto militar entre o Governo etíope e a administração regional de Tigray.
"O Governo etíope invocou o princípio da não-ingerência, mas, ainda assim, foi uma resposta excecional da UA", considerou Shewit Woldemichael.
A investigadora assinalou que, neste caso, as declarações do presidente da comissão "conseguiram chamar à atenção para uma crise potencial", levando a um envolvimento de alto nível do presidente da UA.
"Na maioria dos casos o alerta precoce da comissão é ignorado pelos órgãos políticos da UA, incluindo Conselho de Paz e Segurança", sublinhou, explicando que embora o CPS possa colocar qualquer tema na sua agenda tal não se traduz necessariamente numa intervenção da UA.
A União Africana reune 55 países e territórios africanos, tem sede em Adis Abeba, na Etiópia, e é presidida rotativamente por cada país durante um ano.
A organização possui também uma comissão escolhida para mandatos de três anos.