A última vez que a seleção alemã de futebol fez um papel digno de sua fama no cenário internacional foi na Eurocopa de 2016, quando chegou à semifinal contra a França. Perdeu por 2 x 0, mas pelo menos ficou entre os quatro primeiros. Depois disso foi ladeira abaixo.
A trajetória descendente começou com a Copa da Rússia, em 2018. Bastava vencer a já eliminada Coreia do Sul para garantir sua vaga nas oitavas de final. Foi a campo com a certeza de que mais cedo ou mais tarde marcaria os gols que lhe dariam a vitória. Afinal quem era a Coreia do Sul na fila do pão? A Alemanha acabou levando dois nos acréscimos e saiu de campo carregando o peso de ter sido eliminada pela primeira vez numa Copa sem conseguir chegar ao mata-mata.
Quatro anos e meio mais tarde, repete-se a história com um agravante. A Alemanha começou mal na Copa do Catar, com uma derrota desnecessária frente ao Japão, derrota essa que lhe custou a classificação à fase seguinte, como se viu mais tarde. Nesta quinta-feira (01/12), entrou em campo para o jogo com a Costa Rica precisando vencer por dois gols de diferença, mas com uma condição – a Espanha não poderia perder do Japão no outro confronto.
Desses dois fatores condicionantes apenas o primeiro se realizou. O outro, referente à Espanha, deu chabu. O Japão venceu e, consequentemente, a Alemanha mais uma vez amargou uma eliminação precoce numa Copa. É a segunda vez seguida que o fim de linha para o outrora competitivo trem expresso do futebol alemão chega antes do previsto.
Dilacerante decepção
Logo depois do encerramento das duas partidas, o portal Kicker estampava na sua chamada: "Vitória do Japão sobre a Espanha determina a eliminação da Alemanha".
Não foi bem isso. Fato é que a Nationalelf carregou nos seus ombros a desnecessária derrota logo no primeiro jogo frente ao Japão e, no decorrer da competição, não se livrou mais desse peso. Recuperou-se parcialmente com um louvável empate diante da Espanha obtido graças ao estreante Niclas Füllkrug, repentinamente guindado à condição de herói nacional.
Pouco adiantou a temporária euforia, mesmo porque a Mannschaft já não detinha mais o controle sobre seu destino. Dependia do resultado de um jogo de terceiros. O adeus à Copa vem carregado de uma dilacerante decepção não só para o torcedor alemão em geral, mas também para o torcedor bávaro. Afinal, essa seleção é constituída no seu núcleo duro por sete jogadores do Bayern de Munique.
Ao redor desse núcleo não aparece nenhum jogador de classe internacional, com exceção do zagueiro Antonio Rüdiger e olhe lá.
Defesa é uma pálida sombra de outras eras
Por muitos anos, a defesa da seleção alemã era constituída por jogadores de alto quilate formando um conjunto respeitável. Basta lembrar a linha defensiva alemã da Copa de 2014.
A atual defesa alemã é uma pálida sombra de outras eras. Em toda Copa de 2014 sofreu apenas quatro gols em sete jogos. Nesta Copa do Catar, amargou cinco gols em apenas três partidas, uma média de quase dois gols por jogo. A última vez que a Alemanha não sofreu nenhum gol, seja numa Copa do Mundo ou numa Eurocopa, foi em 2016, frente à Eslováquia.
Diz um velho ditado futebolesco: "Bons ataques ganham jogos, boas defesas ganham campeonatos". Pelo que se viu nos últimos anos, a seleção alemã não tem nem uma coisa nem outra.
Falta de opções para o ataque
Outro setor órfão é o do ataque. Desde a aposentadoria de Miroslav Klose, não apareceu no futebol alemão um único atacante de ofício sequer para preencher essa vaga. Não restou outra alternativa a não ser convocar Niclas Füllkrug, um jogador que até outro dia atuava na segunda divisão. A falta de opções de bom nível para essa posição é gritante.
Há um déficit estrutural no futebol alemão em geral que se reflete no elenco da seleção. Por um lado, existe um excesso de meio-campistas altamente qualificados, e uma carência dramática de zagueiros e de atacantes do tipo rompedor com killer instinct.
O resultado dessa falta de homogeneidade qualitativa no elenco da Mannschaft ficou comprovado nos três jogos da Alemanha na Copa.
A responsabilidade de Hansi Flick
Por outro lado, o técnico Hansi Flick também tem sua parcela de responsabilidade pelo vexame no Catar. No primeiro jogo contra o Japão, ele tomou decisões equivocadas que acabaram por determinar a derrota da Alemanha.
Sem contar que Flick hesitou na tomada de decisões sobre a composição de diversos setores. Quem forma a zaga ao lado de Rüdiger? Numa linha de quatro defensores, quem ocupa as laterais? Quem joga ao lado de Kimmich? E afinal, haverá centroavante ou não?
O resultado de tantas indefinições, tanto no plano tático como na composição do time, todos puderam ver em campo: uma Alemanha inconsistente entre os diversos setores da equipe, sem eficácia nas finalizações, sem liderança em campo, insegura na defesa quando exigida e um técnico que parecia perdido à beira do gramado.
Não podia dar em outra a não ser em um futebol de meia tigela.
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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit é publicada às terças-feiras.
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