Alemães refletem sobre culpa de levantar bandeiras
22 de junho de 2006Desde o início da Copa do Mundo, há um assunto que ameaça ofuscar até mesmo as conversas mais entusiásticas sobre os jogos do dia anterior: os alemães perderam o receio de levantar bandeiras. Todo o país está imerso em preto, vermelho e amarelo-ouro. Vêem-se bandeiras alemãs por toda parte, nas janelas, nos carros, nos rostos dos torcedores.
Fala-se até mesmo de um novo patriotismo. Surpreendentemente descontraído, mas não irrefletido. A mídia questiona se os alemães, diante de seu passado nazista, podem se dar ao luxo de recorrer a símbolos nacionais.
Debate seria exagero. Afinal, mal se ouvem opiniões contrárias ao consenso de que os alemães podem, sim, se dar a tal luxo, sobretudo porque as bandeiras indicam uma identificação com a seleção de futebol e uma contagiante euforia coletiva dos anfitriões da Copa. Ninguém arrisca passar por desmancha-prazeres e privar a massa festiva do veículo de seu entusiasmo.
Necessidade de identificação
Mas o espaço que esta discussão está ocupando na mídia denota um ceticismo subliminar. Alguns preferem apreciar o mar de bandeiras apenas no contexto do evento esportivo. Para estes, elas representam apenas a identificação com uma seleção, a participação na cultura de eventos, uma forma de comunicação de massa, uma vontade de festejar.
Outros, por sua vez, se perguntam se isso não seria sinal de uma nova identidade histórica alemã e de um crescente amor próprio. Mesmo que muitas pessoas da geração de 68 não se sintam à vontade a ponto de levantar a bandeira alemã, uma nova geração mostra uma relação muito mais descontraída com sua identidade nacional.
"Eu jamais penduraria uma bandeira preta, vermelha e amarela, nem uma francesa. A criançada que se encarregue disso. Mas também não tenho nada contra", declarou Daniel Cohn-Bendit ao diário berlinense tageszeitung, acrescentando: "Sobretudo certas pessoas de esquerda precisam ser um pouco mais soberanas ao lidar com esta necessidade de identificação. Ninguém é obrigado a participar".
Treino de relaxamento para todos
Naturalmente, a mudança de geração não é a única explicação para a nova identificação dos alemães com seu país. Isso resulta de uma penosa e longa reflexão coletiva sobre o passado nazista. Apenas no início desta década chegava o momento de recolocar a questão da culpa coletiva pelos crimes nazistas de uma forma mais diferenciada.
Livros como Passo de caranguejo (2002,), do Nobel de Literatura Günter Grass, ou O incêndio (2003), do historiador Jörg Friedrich, resgataram a memória das vítimas alemãs do desterro e da guerra aérea, questionando a generalização da culpa para todos os alemães e a noção do "povo de agressores". Em 2005, a inauguração do Memorial para os Judeus Assassinados da Europa, em Berlim, encerrou por ora a discussão de anos sobre uma forma adequada de representar a memória do Holocausto.
Esta virada no processo de elaboração do passado histórico alemão parece contribuir para o surgimento de uma auto-imagem mais complexa. Com o livro Wir Deutschen – Warum die anderen uns gern haben können (Nós, alemães – Por que os outros podem gostar da gente), lançado pouco antes da Copa, o jornalista Matthias Matussek se tornou um best-seller.
"Quando a palavra 'nação' é mencionada neste país, chama-se imediatamente a guarda civil, o sociólogo ou o médico", declarou Matussek ao Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung: "Meu livro é uma espécie de treino de relaxamento".
Preto, vermelho, amarelo em vez de preto no branco
Um estrangeiro dificilmente acharia suspeita a euforia nacional alemã durante a Copa. Mas os alemães parecem só se acalmar após se esclarecer que isso não tem nada a ver com o antigo nacionalismo. O importante para esta identificação coletiva é estar junto com os outros e não contra os outros. Não se trata de discriminação, mas apenas de sentimento comunitário.
Este novo patriotismo também não é uma corroboração da chamada "cultura dominante", um conceito bastante polêmico. Nos bairros habitados sobretudo por imigrantes, a bandeira alemã está tão presente como em qualquer outra parte. Isso está sendo interpretado até como sinal de êxito da integração dos estrangeiros na Alemanha.
E para eliminar de vez qualquer suspeita, a nova presidente do Conselho Central dos Judeus da Alemanha, Charlotte Knobloch, declarou ao Tagesspiegel am Sonntag: "Por que os alemães não haveriam de ter orgulho de seu país?" E acrescentou: "Temos que fazer tudo para não passar aos jovens a sensação de que eles sejam culpados pelo passado".
Muitos se perguntam até quando este novo patriotismo vai durar. Alguns acham que ele desaparecerá com o fim da Copa ou com a eventual eliminação da seleção alemã. Mas a discussão sobre uma nova identidade coletiva promete ser mais duradoura.