Bibliothek: As mulheres na literatura contemporânea alemã
22 de agosto de 2017Nos últimos textos, falei sobre as escritoras que marcaram a literatura em língua alemã do período medieval ao pós-guerra imediato. Discutir a presença feminina na escrita contemporânea é mais desafiador, já que o número de escritoras deixando hoje sua marca é muito maior. Uma das dificuldades aqui seria recomendar escritoras para aqueles que não dominam o alemão, já que infelizmente a escrita feminina germânica não tem encontrado acolhida justa no mercado editorial brasileiro.
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Basta pensarmos em Sibylle Berg, por exemplo. Alemã naturalizada suíça, a escritora é uma das presenças mais constantes da vida cultural por aqui, não apenas por meio de seus livros como também por sua coluna na revista Der Spiegel. É uma das autoras mais mordazes da língua hoje e alcançou tanto sucesso de crítica como de público com seu primeiro romance, Ein paar Leute suchen das Glück und lachen sich tot (Algumas pessoas buscam a felicidade e morrem de rir, 1997). No Brasil, uma de suas peças foi apresentada este ano no Festival de artes Cênicas Brasil Internacional pelo grupo do Maxim Gorki Theater, mas em inglês.
Algumas escritoras ainda precisam ser vistas por sua própria luz, e não sob a sombra de outros homens. O caso mais gritante é o de Inge Müller (1925-1966), ex-mulher de Heiner Müller, que chegou a escrever com ele as primeiras peças, tendo sua coautoria apagada em edições subsequentes.
As escritoras vivas mais conhecidas hoje serão com certeza as duas ganhadoras do Nobel nas últimas décadas: a austríaca Elfriede Jelinek, em 2004, e a romena de nascimento Herta Müller, em 2009. Jelinek ainda é uma figura controversa, mas Müller tem acolhida de estrela por onde quer que passe. São duas das figuras mais fascinantes da literatura em língua alemã nos dias de hoje.
Mas há outras autoras interessantíssimas que precisam ser mais conhecidas, tanto na Alemanha como no Brasil. Há figuras de culto, como a também romena de nascimento Aglaja Veteranyi (1962–2002), naturalizada suíça. Em 2004, foi lançado no Brasil seu livro Warum das Kind in der Polenta kocht (Por que a criança cozinha na polenta, publicado originalmente em 1999), com tradução de Fabiana Macchi.
Ainda na Suíça, mencionaria Mariella Mehr, poeta e romancista nascida em Zurique em 1947, que é do povo ieniche, a terceira maior etnia nômade da Europa. A etnia sofreu persecuções por parte do governo suíço, sendo que a própria autora foi tirada da mãe, ainda bebê, e entregue a várias famílias e institutos. O mesmo ocorreu ao filho dela, que nasceu quando Mehr tinha 18 anos. Essas experiências marcaram profundamente seu trabalho.
Na Alemanha, muito do melhor da escrita tem saído da pena de mulheres como Odile Kennel, Monika Rinck, Nora Bossong e Carolin Emcke. Esta última recebeu no ano passado o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão, fazendo um discurso de agradecimento em defesa dos direitos humanos e abordando temas como a homossexualidade e o debate sobre o véu islâmico.
Sua fala teve grande repercussão no país, ao atacar a tentativa de "pseudorreligiosos e dogmáticos nacionalistas de difundir uma doutrina de um povo homogêneo, de uma única religião verdadeira, de um único tipo natural de família e de uma nação autêntica". Seu trabalho seria, portanto, muito bem-vindo no Brasil.
Na coluna Bibliothek, publicada às terças-feiras, o escritor Ricardo Domeneck discute a produção literária em língua alemã, fala sobre livros recentes e antigos, faz recomendações de leitura e, de vez em quando, algumas incursões à relação literária entre o alemão e o português. A coluna Bibliothek sucede o Blog Contra a Capa.