Caso de estupro coletivo expõe falhas da Justiça da Índia
10 de janeiro de 2013São números preocupantes: de acordo com um parecer divulgado em 2006, o Supremo Tribunal da Índia, na capital Nova Déli, precisaria de 466 anos para julgar todos os processos que estão amontoados na instituição. Ainda em 2010, o então presidente do Supremo, K. G. Balakrishnan, calculou o número de casos e chegou a inacreditáveis 27 milhões. Como se não bastasse, há uma escassez de juízes no país para cuidar de todos os processos.
Para a advogada e ativista Shweta Bharti, de Nova Déli, o problema não está no sistema jurídico indiano, que ela considera avançado, nem na legislação, que ela vê como abrangente. "O problema é a implementação. Pode demorar anos para que a justiça seja feita. E há, ainda, muitas lacunas na legislação." Essas lacunas permitiriam que acusados de cometer grandes crimes não sejam punidos ou, até mesmo, respondam pelos atos recebendo uma punição menor. De forma frequente a polícia se vê com as mãos atadas, diz Bharti.
Kamini Jaiswal, advogada do Supremo Tribunal da Índia, vai além e diz que não existe investigação independente no país. "Há mais de sete anos a suprema corte promulgou uma sentença pela qual as forças policiais na Índia deveriam ser totalmente independentes. Mas os políticos não querem que a polícia trabalhe de forma independente. Se as investigações são obstruídas, como podemos esperar que criminosos sejam condenados?", questionou.
De acordo com a Associação pelas Reformas Democráticas, uma organização não governamental de Nova Déli, cerca de um quarto dos políticos do Parlamento indiano têm processos pendentes: em parte por causa de homicídio, sequestro ou roubo.
Organização da Justiça
O sistema judiciário indiano é muito influenciado pelo direito anglo-saxão. De acordo com a Constituição de 1950, no ponto mais alto do poder judiciário está o Supremo Tribunal da Índia. A principal tarefa de 26 juízes, nomeados pelo presidente, é resolver principalmente disputas entre os estados, como também entre os estados e o governo federal. As sentenças do Supremo Tribunal são obrigatórias para todas as cortes indianas.
No próximo nível estão as chamadas "altas cortes", que são os Supremos Tribunais dos Estados. Além disso, no nível dos distritos há tribunais civis e penais. Existem também conselhos nas vilas, chamados de Panchayats, que tomam decisões relacionadas a disputas menores.
Somente as regras do direito da família e do casamento são, em alguns casos, influenciadas pela religião. Por exemplo, para os muçulmanos – que constituem cerca de 16% da população –, há uma lei própria para o casamento.
Mulheres como vítimas
A ativista Bharti diz que principalmente as mulheres são desfavorecidas pelo sistema judicial da Índia. Por possuírem um status inferior dentro da sociedade, elas são frequentemente mandadas para casa pela polícia quando apresentam queixa por causa de violência. Se forem pobres e de baixa instrução, a situação é ainda pior, principalmente no interior do país. Diante da arbitrariedade da polícia – em parte corrupta – e do temor de exclusão social, muitas vítimas de abusos sexuais decidem ficar caladas, afirma Bharti.
Apenas 20% de todos os casos resultam em sentença na Índia. "Quanto a estupros, por exemplo, em muitos locais são as mulheres que precisa apresentar provas do crime. Como elas podem fazer isso? Muitas vezes não há provas suficientes. E se o acusados somem e a polícia não puder confrontá-los, as investigações não dão em nada", diz Bharti.
"Quando se trata de violência doméstica, então as mulheres preferem ficar caladas, pois elas não querem comprometer a sua família e têm medo de represálias", comenta. Muitas vezes elas nem mesmo têm noção dos seus direitos.
O fato de mulheres serem desfavorecidas pelo sistema policial e judicial indiano é um problema generalizado, diz a advogada Jaiswal. "As forças policiais e juízes não possuem sensibilidade para questões de gênero. O sistema de valores vigente não coloca as mulheres em pé de igualdade com os homens. As pessoas nem mesmo estão acostumadas a ver as mulheres deixarem suas casa."
Esforço em prol de reformas
O governo indiano espalhou 1.700 tribunais de procedimento rápido em 2004 por toda a Índia para reduzir o grande número de processos acumulados. Mas, em 2011, depois de uma série de falhas em processos terem sido apontadas, o governo retirou seu apoio a essas cortes. O caso da jovem estudante estuprada em um ônibus está em curso num desses tribunais, em Nova Déli.
De acordo com o governo, o processo deverá estar concluído em cem dias. Somente o inquérito contra os cinco acusados – o sexto é menor de idade – tem 1.000 páginas. A família da vítima exige que os criminosos recebam a pena de morte. Na Índia, isso só é possível em casos especialmente graves. "A justiça é mais importante que a velocidade nesse processo", acentuou o presidente do Supremo Tribunal da Índia, Altamas Kabir.
O governo indiano criou duas comissões de inquérito: uma para esclarecer possíveis falhas nas investigações desse caso, e outra para formular sugestões de como reduzir a violência contra as mulheres e de como reformar a polícia e a Justiça. Um objetivo ambicioso. Mas o governo está sob pressão, já que em 2014 é ano de eleições na Índia.
Autora: Priya Esselborn (fc)
Revisão: Alexandre Schossler