Com interesses regionais, Brasil opta pela cautela na crise venezuelana
12 de março de 2014Passado um mês, a Venezuela ainda vive momentos de tensão com protestos de estudantes e opositores contra o presidente Nicolás Maduro. As manifestações, que levaram milhares às ruas, atingiram seu ápice em meados de fevereiro e tiveram até agora 22 mortes e centenas de detidos – inclusive um dos líderes da oposição, Leopoldo López.
Mas, mesmo com o acirramento do conflito, o governo brasileiro adota uma postura de cautela e evita criticar, ao menos publicamente, o presidente venezuelano. O Brasil assinou notas conjuntas com o Mercosul e a Unasul, mas se esquivou até agora de qualquer intervenção direta na crise, como fizera em 2012, por exemplo, na queda de Fernando Lugo no Paraguai.
"É decepcionante que o Brasil não tenha se manifestado de forma clara a respeito dos diversos abusos que vêm sendo cometidos no país vizinho, tais como censura dos meios de comunicação, detenção arbitrária e investigações iniciadas contra adversários políticos, sem evidências sérias de que tenham cometido crime, e força brutal contra os manifestantes", diz Maria Laura Canineu, diretora da ONG Human Rights Watch (HRW) no Brasil.
Ela afirma ainda que a proteção dos direitos fundamentais do cidadão, incluindo a liberdade de expressão e reunião, deveria se refletir na política externa brasileira. "A prevalência dos direitos humanos é princípio da política externa brasileira e deveria orientar a posição do país também no caso da Venezuela."
"Venezuela não é Ucrânia"
A postura do Planalto ficou clara durante última visita de Dilma Rousseff à Europa, em 24 de fevereiro. No auge da crise em Caracas, a presidente destacou os avanços sociais na Venezuela, disse que o país de Maduro não é a Ucrânia e descartou qualquer intervenção brasileira na crise: "Não nos manifestamos sobre a situação interna dos países."
Para José Niemeyer, coordenador da graduação em relações internacionais do Ibmec/RJ, a posição brasileira é reflexo dos preceitos de Dilma para a política externa, menos pró-ativa que a de seus antecessores. Fernando Henrique Cardoso tinha uma posição mais institucional, em linha com o padrão de conduta histórico do Itamaraty, e Lula era mais engajado e ideológico no cenário internacional.
"No governo Dilma houve uma mudança. Ela está fazendo uma política externa esvaziada", avalia Niemeyer. "A presidente foca mais no ambiente interno e tem pouca assertividade na sua política externa. Por isso, o Brasil parece não se posicionar de forma ativa na questão venezuelana."
Durante a posse da presidente chilena, Michelle Bachelet, na terça-feira (11/03), Dilma anunciou a intenção de formar, com membros da Unasul, uma comissão de interlocutores entre o governo venezuelano e a oposição. Críticas à repressão aos protestos em Caracas, porém, não foram feitas.
Contra observadores da OEA
Na Organização dos Estados Americanos (OEA) – que também inclui os EUA –, o Brasil votou contra o envio de observadores a Caracas ao entender que a decisão poderia acirrar as tensões. O governo brasileiro não quer se intrometer e evitou, até aqui, pedir publicamente que Maduro abra um canal de discussão com a oposição – como a própria Dilma fez durante os protestos de junho passado, quando buscou o diálogo com os líderes das manifestações.
"O Brasil está jogando dentro dos limites que lhe são possíveis, tentando manter os interesses dos grandes empresários brasileiros na Venezuela", diz o pesquisador Thiago Gehre Galvão, da UnB. "O país não quer gerar descontentamento no Hemisfério Sul. Por isso a postura de não ser tão proativo e de se posicionar claramente em outros fóruns [como na OEA]."
O interesse do Brasil – e do Mercosul – pela Venezuela têm também aspectos estratégicos e econômicos. Além dos 30 milhões de consumidores venezuelanos, o país presidido por Maduro possui a maior reserva de petróleo do mundo. A estatal petrolífera PDVSA possui dezenas de acordos em matéria energética com países da América do Sul, principalmente com Argentina e Uruguai.
O comércio entre Brasil e Venezuela se multiplicou por sete de 2003 a 2012, chegando ao recorde histórico, no ano de 2012, de 6,05 bilhões de dólares. Neste processo de aumento das trocas entre os dois países, as exportações brasileiras de manufaturados cresceram 30% em 2012, alcançando 65% da pauta exportadora.
Para Gehre Galvão, o Brasil está envolvido numa situação complexa: ao mesmo tempo em que tem que respaldar vizinhos estratégicos, como Venezuela, tem que se preocupar com a influência externa de outros atores e instituições, como os EUA e a OEA, que aparecem durante a crise como opção de solução.
"O Brasil tem um princípio muito claro: o da não ingerência. Existe uma preocupação, mas o país não está indiferente", opina o especialista. "Não é de agora que o Brasil age assim."