À beira da desintegração
3 de janeiro de 2010O Iêmen gosta de mostrar às autoridades ocidentais os rígidos treinamentos de suas unidades militares antiterror. Uma imagem menos propagada é a de que esses treinamentos ocorrem sob vigilância e orientação de especialistas norte-americanos já atuantes há anos no país.
Afinal, o Iêmen está se tornando uma plataforma cada vez maior para adeptos e simpatizantes da rede terrorista Al Qaeda. À medida que os terroristas começaram a ser mais perseguidos em outros lugares, o país passou a funcionar como refúgio ideal.
Governo central frágil torna país propício para terroristas
Desprovido de um poder central de fato, o Iêmen está há tempos a ponto de se desintegrar. Não por causa dos clãs que governam as diferentes regiões e afirmam sua independência perante o governo central em Sana, mas sim em decorrência dos movimentos separatistas no sul do país e do conflito cada vez mais acirrado com os clãs xiitas do norte.
O sul do país compunha a República Popular Democrática até 1990, ano em que o Iêmen se reunificou. A diferente trajetória da região meridional torna os habitantes locais mais resistentes a um governo central; enquanto, no norte, o conflito com os clãs é muito mais antigo.
Esses problemas internos, associados à grande pobreza, ao atraso, ao baixo nível de formação educacional e ao enraizamento religioso tradicional da população, estão levando o Iêmen ao limite de um "Estado fracassado" – uma situação em que o Afeganistão também já se encontrou.
Essa situação é o solo ideal para grupos terroristas, facilitando que eles escapem de vez ao controle estatal. Além disso, o Iêmen tem uma posição geográfica e regional vantajosa: faz fronteira com a Arábia Saudita, onde se originou o núcleo mais resistente da Al Qaeda, não fica longe da Somália e de outros países da África Oriental, além de se situar em rotas marítimas de importância mundial e grande significado estratégico.
Diante desse quatro, a ex-diplomata iemenita nos Estados Unidos, Barbara Bodine, considera necessário tomar uma atitude. "A questão agora não é escantear o Iêmen como um país fracassado ou à beira do declínio. Temos que ver como impedir que o país caia do lado errado da 'curva de fracasso'", observou ela.
Descaso do Ocidente não é de hoje
Durante anos, os EUA e seus aliados fizeram muito pouco nesse sentido, apesar de o Iêmen ter começado a atrair o terrorismo internacional desde o 11 de Setembro, um fato conhecido.
Em 2000, 17 membros da tripulação do navio de guerra norte-americano USS Cole morreram na costa sul do Iêmen, após terem sido atacados por homens-bomba que haviam chegado ali de bote. Desde então, os EUA estão em busca dos mentores do atentado, sem, entretanto, se importarem muito com a decadência generalizada do Iêmen. Para tal, os americanos já estão ocupados demais com o Iraque, o Afeganistão e também com o Paquistão.
Há um certo tempo, aumentam os sinais de alerta. Sempre aconteceu de estrangeiros serem sistematicamente sequestrados no Iêmen, mas no início o governo central conseguia pelo menos resgatar os reféns, cedendo a certas exigências dos sequestradores. Agora, porém, já passou a haver casos que terminam com o assassinato do estrangeiro.
"Al Qaeda da Península Árabe"
Há muito a motivação dos atos de terror deixou de ser política ou religiosa. Ao contrário do que ocorria antes, já não se trata mais de pressionar a construção de uma estrada ou a libertação de presos pertencentes a algum clã.
Tudo foi se agravando à medida que os adeptos da Al Qaeda começaram a se fortalecer no Iêmen. Os iemenitas retornados de Guantánamo se reintegraram à organização terrorista e dezenas de criminosos presos no país escaparam da penitenciária, retomando seu ofício sanguinário. Além disso, eles se uniram aos ativistas da Al Qaeda na Arábia Saudita, onde a organização está sob forte pressão, constituindo com eles a "Al Qaeda da Península Árabe".
Nada disso provocou reações no exterior, nem nos países que passaram a combater o terrorismo ativamente em outros lugares. Somente a tentativa fracassada de atentado contra um avião norte-americano durante a aterrissagem em Detroit, ocorrida no dia de Natal, veio a alarmar o Ocidente.
O executor do atentado provém da Nigéria, mas foi recrutado pela Al Qaeda no Iêmen. O presidente norte-americano, Barack Obama, não apenas anunciou uma investigação do caso pelos órgãos de segurança norte-americanos, mas também prometeu intensificar a cooperação com o Iêmen.
Autor: Peter Philipp (sm)
Revisão: Marcio Damasceno