Liberdade de imprensa alemã também é frágil
13 de outubro de 2005A Alemanha é um país europeu, do chamado primeiro mundo, onde a liberdade de imprensa – um dos mais básicos preceitos da democracia – é inteiramente respeitada, certo? Pois pense novamente: a exemplo do que ocorre no Brasil, onde o governo federal tentou expulsar um correspondente do The New York Times, e nos Estados Unidos, onde repórteres que não revelam fontes secretas podem até ir para a cadeia, a censura recentemente também mostrou sua cara na Alemanha.
Bastou a revista mensal Cicero – uma bem conceituada publicação de "cultura política", conhecida por seus artigos de análise, que começou a circular em março de 2004 – publicar em abril último uma reportagem sobre as atividades na Alemanha de um dos líderes da célula terrorista Al Qaeda, Abu Musab al-Sarqawi, para que a expressão "imprensa livre" fosse prontamente esquecida pelo ministro alemão do Interior, Otto Schily.
O ministro foi interpelado nesta quinta-feira (13/10) pela Comissão de Assuntos Internos do Parlamento Alemão por causa de um mandado de busca e apreensão de documentos na casa do jornalista Bruno Schirra, 47 anos, responsável pela reportagem. A suspeita é que a idéia de mandar a polícia invadir a casa de Schirra para tentar descobrir a fonte do artigo da revista tenha partido de Schily.
Fonte (ainda) anônima
O motivo da fúria do ministro é o fato de a informação ter vazado do Departamento Federal de Investigações Criminais (Bundeskriminalamt, ou BKA), órgão subordinado ao Ministério do Interior. Seis meses depois da publicação da reportagem, o governo ainda não havia descoberto quem seria o responsável pelo repasse dos documentos à revista pelos meios normais: uma investigação interna no BKA.
Então, no mês passado, a Justiça alemã concedeu o mandado para que a casa do jornalista fosse revirada e os documentos que serviram de base para a reportagem pudessem ser encontrados. Tudo, segundo Schily, sem sua interferência direta.
De acordo com a revista Der Spiegel, os documentos confidenciais usados pelo repórter da Cicero não eram tão secretos assim: informações dão conta que 269 pessoas dentro do BKA tiveram acesso às informações – o que também dificultaria a tarefa de encontrar o "culpado" pela divulgação dos dados.
Considerada a história política de Schily – um "homem forte" do governo Schröder e figura proeminente do Partido Social Democrata, de centro-esquerda, além de ex-membro do Partido Verde e advogado de terroristas da RAF na década de 70 –, chega a ser supreendente a truculência da ação: um grupo de policiais invadiu a residência de Schirra, levando 15 caixas de documentos e cópias de arquivos do computador. A apreensão ocorreu quando o jornalista estava em Israel, participando de uma conferência sobre segurança.
Imagem arranhada
Apesar de Schily sustentar a versão de que a iniciativa de apreender documentos da casa de Schirra tenha partido da Justiça, e não do seu ministério, a justificativa não convenceu. O ministro tem estado sob fogo cerrado da mídia há um mês. Os grandes jornais e agências de notícias da Alemanha publicaram matérias com fontes citando o caso como "um ataque à democracia alemã" e um "desrespeito à liberdade de imprensa".
Membros de três legendas com representação no Parlamento alemão – Partido Liberal, Partido Verde e Partido de Esquerda – já pensam em pedir uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a participação do ministro no caso. Foram os verdes que entraram com um pedido para que o ministro viesse ao Parlamento se explicar.
Até agora, o ministro não deu sinais de que voltará atrás em sua posição: pelo que se ouviu até agora, ele deverá defender os métodos usados para descobrir a fonte do vazamento de informações confidenciais do governo. "Sobre a confidencialidade de informações decidimos nós, o Estado, e não vocês (a imprensa). Vocês precisam aprender isso, ou então entraremos em conflito", vociferou Schily, em entrevista à revista semanal Der Spiegel.
Investigação sem culpados
O caso da Cicero não é isolado. De acordo com a revista Der Spiegel, cerca de 150 investigações do gênero já ocorreram entre 1987 e 2005 em empresas de jornalismo impresso, emissoras de rádio e televisão. Nenhuma dessas investigações culminou com a condenação de algum jornalista.
Até agora, porém, a fonte da revista – pelo menos oficialmente – não apareceu. Bruno Schirra, autor da matéria, afirmou que não revelará de onde tirou a informação, ainda que a manutenção do segredo sobre a fonte das informações sobre o membro da Al Qaeda na Alemanha venha ser considerada um "ato ilegal", ou "atrapalhar o combate ao terrorismo no país", como defende Schily.
"Eu nunca, sob nenhuma circunstância, discuto as minhas fontes. Nem com editores nem com promotores nem com juízes", disse o jornalista à agência Reuters.