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Luz, câmera e ação política

Loay Mudhoon (sv)3 de setembro de 2005

Pouco antes do debate transmitido pela televisão alemã entre os dois candidatos a chanceler federal, a DW-WORLD avalia como encenações políticas frente às câmeras acontecem nos quatro cantos do planeta.

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Políticos frente às câmeras: arma eficaz para convencer o eleitorFoto: dpa Zentralbild

Dos "monólogos políticos" chineses às pancadarias entre candidatos nas campanhas eleitorais russas, dos rituais populistas de líderes árabes à dramaturgia norte-americana, de onde vem a idéia de um debate frente às câmeras. De um lado ou de outro do mundo, a mídia assume com prazer o papel de mediadora entre políticos e eleitores.

A contribuição brasileira mais marcante no cenário de debates televisivos foi sem dúvida a intervenção da Rede Globo, ao editar em 1989 o encontro entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello. "Isso não aconteceria hoje. O país mudou muito desde então", afirma o correspondente da emissora em Berlim, Renato Ribeiro, à DW-WORLD.

Acompanhe aqui os relatos sobre a encenação política via câmeras de TV nos EUA, China, Chile, Oriente Médio e Rússia.

O obscuro objeto de Bush

TV-Duell zwischen J. F.Kennedy und Nixon 1960
Nixon (esq.) und Kennedy: debate em 1960Foto: dpa

A idéia original de opor candidatos à presidência de um país frente às câmeras vem dos EUA. O primeiro deles aconteceu em 1960, entre John F. Kennedy e Richard M. Nixon. Num estúdio de Chicago, os dois discutiram, à época, apenas temas relacionados à política interna.

O elegante e bronzeado Kennedy acabou como preferido do telespectador, enquanto Nixon, pálido, com a barba por fazer e ainda gripado, foi considerado perdedor. O poder da imagem dava seus primeiros sinais na eleição que foi uma das mais emocionantes da história norte-americana e terminou com a vitória de Kennedy.

Mais de três décadas depois, George Bush cometeu um erro que certamente lhe custou um bom número de votos. Durante um debate com o então adversário Bill Clinton, a câmera mostrou como Bush olhava incessantemente para seu relógio de pulso. Muitos telespectadores interpretaram o gesto como um sinal de impaciência do candidato.

TV-Duell zwischen George Bush, Bil Clinton, Ross Perot 1992 US-Präsidentschaftswahlen
Debate entre George Bush e Bill Clinton em 1992Foto: AP

No último debate ocorrido em 2004 nos EUA, chegou a vez de George W. Bush, o filho. Nas imagens do encontro com o adversário John Kerry frente às câmeras, tinha-se a impressão de que havia algum objeto nas costas de Bush. Suspeitou-se, então, que havia algo sob seu paletó. Logo depois, surgiram os boatos de que o candidato teria carregado disfarçadamente um transmissor, escondido sob a roupa, através do qual ouvia de seus assessores as respostas que deveria dar durante o debate.

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George W. Bush e John Kerry, em outubro de 2004Foto: AP

A tese, cada vez mais disseminada através da internet, foi sendo confirmada a partir da observação de que o presidente, durante o debate, havia parado várias vezes subitamente de falar. Seu olhar absorto nesses momentos também foi notado, o que levou a crer que ele poderia estar, naquele momento, ouvindo alguma coisa.

O alfaiate presidencial assumiu oficialmente "a culpa", afirmando que se tratava de uma falha no corte do terno. Com ou sem transmissores acoplados às costas, Bush foi eleito, pela segunda vez, em novembro de 2004.

Kyle James (sv)

Clique ao lado para ler mais sobre as encenações políticas na China, Chile, Rússia e países do mundo árabe.

China: o reino dos monólogos políticos

A China é um país que não conhece debates políticos transmitidos pela TV. O que não é de se admirar, numa nação que não permite qualquer tipo de controvérsia quando o assunto é política. A televisão é destinada única e exclusivamente para divertir a população. Logo, apenas os programas de entretenimento são importados de países ocidentais, sendo, diga-se de passagem, muito bem-vindos.

Quando se fala de política, o cenário é o de um monólogo. Transmissões ao vivo são raríssimas e, quando acontecem, o Ministério da Propaganda se mantém extremamente atento para que nenhuma imagem venha ferir os brios do partido.

As conseqüências são, via de regra, transmissões extremamente monótonas de cerimônias políticas, durante as quais os protagonistas fazem palestras que não se desviam nem um milímetro do discurso oficial. Política de fato, enquanto isso, é feita apenas a portas fechadas. E bem longe das câmeras de TV.

Geração que sabe encenar

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Zhao ZiyangFoto: dpa

Apesar disso, a história da televisão chinesa registra alguns momentos dignos de nota. A "morte política" de Zhao Ziyang, por exemplo, em 1989, foi transmitida ao vivo: na Praça da Paz Celestial, em Pequim, Ziyang demonstrou abertamente simpatia pelos estudantes que faziam greve de fome. Milhões de pessoas viram pela TV como suas lágrimas corriam pelo rosto. As conseqüências são conhecidas: Ziyang foi afastado do poder e colocado em prisão domiciliar.

Gute Nachbarn
Jiang Zemin e Vladimir Putin: abraços frente às câmerasFoto: AP

Alguns líderes chineses são até mesmo amantes da telinha. Jiang Zemin, por exemplo, entrava em cena com prazer no papel de líder populista, mostrando em público, inclusive, suas habilidades inusitadas. Era possível ouvi-lo cantando O Sole Mio, em plena televisão, fofocando com Laura Bush em inglês ou fazendo piadinhas em russo ao lado de Putin.

Jiang se deu até mesmo ao luxo de perder o controle em público, em 2000. Depois que Pequim delegou Tung para a função de administrador em Hong Kong, uma repórter ousou perguntar diretamente a Jiang se Tung não seria apenas uma marionete do governo chinês. Jiang perdeu as estribeiras, tendo atacado a mulher aos gritos e em inglês: "Você é muito jovem, muito simples e às vezes ingênua! Estou furioso!". Na China, é claro, a cena não chegou à TV.

Fengbo Wang (sv)

Clique ao lado e continue lendo sobre as encenações políticas no mundo: Chile, países árabes, Rússia.

Chile: o dedo em riste de Lagos

Durante os 16 anos da ditadura Pinochet, a televisão foi mantida sob o rígido controle do regime. Durante programas de entrevistas no período, por exemplo, os debates eram ensaiados detalhadamente. No fundo, os participantes só estavam ali para repetir o discurso oficial.

Ricardo Lagos
Ricardo Lagos, presidente chilenoFoto: AP

Uma exceção aconteceu no dia 25 de abril de 1988, quando o atual presidente do país, Ricardo Lagos, à época na oposição, aproveitou uma transmissão ao vivo no canal UC-TV para colocar Pinochet contra a parede. Com o dedo em riste, Lagos disparou na frente das câmeras: "O senhor, general Pinochet, não foi sincero com o país". O país ficou perplexo. Até então, ninguém tinha tido tamanha coragem.

O dedo em riste de Lagos foi, nos meses que se seguiram, o assunto número um no Chile. A partir desse momento, a televisão foi ganhando cada vez mais liberdade. No mesmo ano, 17 partidos de oposição se uniram contra o regime, com o objetivo de rejeitar a candidatura de Pinochet para a presidência através de um plebiscito. O que foi possível, enfim, no dia 5 de outubro de 1988. Era o início do fim da ditadura no Chile.

Emilia Rojas-Sasse (sv)

Rússia: Putin prefere se poupar

A Federação Russa foi um dos primeiros países do Leste Europeu a introduzir debates transmitidos pela TV em tempos de campanha eleitoral. Os primeiros deles, que se pode chamar de "quase normais", aconteceram logo após a renúncia de Gorbatchov e da derrocada da União Soviética. Milhões de cidadãos soviéticos acompanharam o show político pela telinha, com uma mistura de euforia impestuosa, esperança ingênua e crença infantil.

A primeira campanha presidencial na Rússia durou apenas duas semanas. Nos debates pela TV, cada candidato tinha o tempo necessário para responder ao vivo às perguntas dos jornalistas e do público. Desses confrontos participaram algumas figuras importantes da política russa, como Boris Ieltsin, Vladimir Jirinovski e Aman Tuleyev.

Tapas e água na cara

Wladimir Putin Fernsehansprache
Vladimir Putin: 'não' aos debatesFoto: AP

Todos os debates posteriores transmitidos pela televisão russa tiveram mais um caráter de espetáculo do que de uma discussão política séria. Durante um deles, Jirinovski e o ex-líder da bancada do Partido Democrático SPS, Boris Nemzov, jogaram água mineral um no outro, na frente das câmeras. Um outro caso acabou em pancadaria.

O atual presidente russo, Vladimir Putin, está longe de ser um freqüentador fiel de debates. Antes das últimas eleições presidenciais no país, ele simplesmente se negou a participar de uma discussão que seria transmitida pela TV. "Conheço de antemão cada palavra dos meus adversários", disse Putin à época. Os debates durante a campanha eleitoral de 2003 acabaram, então, acontecendo sem o atual presidente, que saiu vencedor. Com um detalhe: não foram transmitidos ao vivo, mas gravados e editados posteriormente.

Andrey Kobyakov (sv)

Clique ao lado para saber detalhes sobre as peculiaridades dos líderes árabes frente às câmeras.

Egito, Palestina, Líbia: homens de grandes poses

No mundo árabe, debates entre candidatos não são transmitidos pela TV, sendo terminantemente proibidos pelos governantes. Apesar disso, os políticos do primeiro escalão têm plena consciência da importância da mídia e da televisão para se perpetuarem no poder.

Um dos primeiros a usar o poder da mídia em proveito próprio foi o egípcio Gamal Abdel Nasser, que dominava com maestria a arte da encenação midiática. Assim, em 1956, ele anunciou em grande estilo a nacionalização do Canal de Suez frente aos estudantes da Universidade de Alexandria. E ordenou que seu discurso fosse transmitido pelo rádio até os últimos confins do país – na época, não havia ainda televisão no Egito.

Cachimbo, bengala e leite de camelo

Frieden zwischen Israel und Ägypten
Acordo de paz entre Israel e Egito: Sadat, Carter e premiê israelense Menachem BeginFoto: AP

Seu sucessor Sadat gostava de ser registrado pelas câmeras sempre acoplado de um cachimbo e uma bengala, com o intuito de passar uma imagem de líder popular. E Sadat era um homem de grandes poses: em 1979, ele deixou o mundo perplexo ao fazer uma visita espetacular a Jerusalém, que acabou levando ao acordo de paz entre o Egito e Israel.

O atual presidente egípcio, Hosni Mubarak, longe disso, sofre por ser considerado insosso, pacato e sem carisma. Durante seus discursos, não foram poucas as vezes em que tanto deputados quanto jornalistas acabaram cochilando. E de nada adianta que seus pronunciamentos sejam transmitidos em cadeia por todos os canais de TV egípcios, interrompendo, até mesmo, programas de alta audiência no país.

Bildgalerie Arafat - Arafat fliegt nach Paris
Arafat em 2004Foto: AP

O falecido presidente palestino Yasser Arafat era conhecido não apenas por abraçar, mas também por beijar qualquer um na frente das câmeras. Além de apreciar o simbolismo dos gestos: Arafat gostava de comer ao lado de pessoas simples e beijar as mãos de mulheres desconhecidas. Sem contar que fazia o mesmo também com cinegrafistas e fotógrafos.

Neste contexto, não se pode esquecer das aparições teatrais do enfant terrible e estrela midiática da política árabe: o líder revolucinário líbio Muammar Kadafi.

Gaddafis Leibwache
As guarda-costas de Kadafi, em 2003Foto: dpa

De vez em quando ele passa a noite numa barraca e às vezes leva um camelo em suas viagens pelo mundo, pois não consegue abdicar de tomar o leito fresquinho do animal. Além de demonstrar ostensivamente sua confiança nas mulheres. Pelo menos no que diz respeito à sua segurança pessoal.