Merkel sai vitoriosa da cúpula de Bruxelas
17 de dezembro de 2005"A cúpula de Merkel" foi uma das manchetes mais freqüentes na imprensa alemã, neste sábado (17/12), para descrever o desfecho do encontro de chefes de Estado e de governo da União Européia, que terminara de madrugada, em Bruxelas, com a aprovação do projeto orçamentário do bloco para o período de 2007 a 2013.
A chefe do governo alemão, Angela Merkel, teve um papel decisivo nas negociações, que estavam emperradas desde junho passado. Ela foi mentora do aumento do bolo orçamentário, intermediou com sucesso entre a França e Inglaterra e concedeu 100 milhões de euros à Polônia (recursos que já estavam garantidos para a Alemanha), a fim de viabilizar o consenso.
"É um bom sinal para a UE e para a Alemanha", resumiu Merkel o resultado de seus esforços, após 12 horas de negociações. À saída do encontro, às 3 h da madrugada deste sábado, ela foi festejada pela mídia internacional como "a nova estrela no firmamento da Europa, uma mediadora que sabe unir".
Construtora de pontes
Também a imprensa alemã não escondeu uma certa euforia com o papel desempenhado por Merkel em sua primeira missão em Bruxelas. "Angela, o anjo da cúpula", festejou o conservador Frankfurter Allgemeine Zeitung. Ela "agiu de forma soberana e amansou escorpiões", escreveu a revista Der Spiegel.
O Süddeutsche Zeitung lembrou que, ao assumir o governo em 22 de novembro passado, Merkel definiu o papel da Alemanha na UE como "construtora de pontes". E isso, continuou o jornal, "confirmou-se bem antes do previsto. Assim, a cúpula de Bruxelas tornou-se a cúpula de Merkel. Graças ao seu empenho, a UE depois de muito tempo obteve novamente um sucesso."
A cúpula de Bruxelas foi encarada também como prova de prova de fogo para o governo da grande coalizão (CDU/CSU e SPD) em Berlim. Depois do encontro, lideranças dos três partidos elogiaram a "astúcia e sensibilidade de Merkel" em sua estréia no palco europeu.
"Ela mostrou de forma extraordinária o papel que a Alemanha pode desempenhar: manter bons contatos com todos, cooperar estreitamente com a França, sem perder a confiança dos outros países", disse o vice-presidente da Comissão Européia, o alemão Günter Verheugen.
Gratidão e elogios do exterior
O primeiro-ministro da Polônia, Kazimirez Marcinkiewicz, viu em Merkel seu anjo pessoal. Ele agradeceu o "presente de Natal antecipado", dizendo que "isso [os 100 milhões de euros] foi o mais belo e maravilhoso gesto de solidariedade".
O presidente francês Jacques Chirac elogiou Merkel, "pois sua proposta não veio às custas de outros". O primeiro-ministro sueco, Göran Persson, disse que a chanceler federal alemã deu continuidade a uma tradição da Alemanha, de "pagar para garantir a unidade".
Críticas a Blair e questões adiadas
Já o premiê britânico Tony Blair colheu duras críticas em seu país, apesar de haver fechado um acordo orçamentário que descreveu como "bom para a Europa e o Reino Unido". A imprensa britânica falou de "uma rendição", uma vez que, em troca do corte no "cheque britânico", Blair não conseguiu modificar a política agrícola da UE, que anteriomente classificara de obsoleta e atrasada, e da qual se beneficiam sobretudo França, Espanha e Itália.
Sob o título "A coragem de Merkel", o jornal italiano Corriere della Sera, apontou Blair como "vencedor, por haver impedido um naufrágio da UE sob a presidência do Reino Unido. Já Angela Merkel venceu, porque foi sua coragem de estreante que reativou as negociações, justamente no pior momento. Também Chirac teve seu ganho, porque não se pediu dele mais do que a promessa de, como compensação pelos cortes no "cheque britânico", no futuro, não bloquear reformas na política agrária. Se isso tudo confere, então uma coisa que ainda precisa se comprovada é se também a Europa ganhou com a cúpula de Bruxelas".
O chamado "cheque britânico" é uma compensação financeira – no momento, cerca de oito bilhões de euros por ano – que o Reino Unido recebe por não tirar muito proveito da política agrária da UE. Ele causara o impasse na divisão do orçamento europeu.
Alguns analistas avaliaram o consenso orçamentário como uma "libertação psicológica", capaz de dar um impulso à solução da crise constitucional da União Européia. Merkel não quis partilhar esse tipo de elocubração. Perguntada sobre a principal experiência que fez na maratona de negociações, ela foi quase patética: "É que nunca se deve perder a esperança".