"No meu fim de semana com meu filho, se ele fica doente, eu devolvo para o pai. Todo mundo sabe que o homem cuida melhor do filho. É da natureza deles."
"Tenho quase 40 anos mas só vou sair com um homem que tenha até 25. Todo mundo sabe que homem com 40 anos já está acabado."
Notou algo estranho nessas frases? Se você é mulher, talvez tenha rido de nervoso. Isso porque esses são clichês machistas que todos nós já ouvimos na vida. A diferença é que o gênero foi trocado. Não, a gente não costuma ouvir que é "da natureza do homem cuidar" ou que "homem com mais de 40 está acabado". E ler isso com "homens" no lugar de "mulheres" torna tudo mais surreal e absurdo. Afinal, o machismo é tão comum que, quando as vítimas são mulheres, ele já é naturalizado.
Essas frases machistas, mas com homens sendo tratados como as mulheres são no dia-a-dia, tomaram conta das redes sociais nas últimas semanas, principalmente do Threads e do TikTok, e fazem parte da trend "machismo reverso" (no Brasil) ou "women in male fields" (mulheres em papéis de homens) nos Estados Unidos e na Europa.
Com essa "brincadeira", mulheres denunciam desde hábitos masculinos "inofensivos" como "sumir depois de um date" a assuntos sérios e tristes de verdade, como o descaso de muitos pais com seus filhos.
"Me separei, como trabalho muito e pai é pai, as crianças moram com ele e eu pego de 15 em 15 dias. Sou mãezona", escreveu Renata, no Threads.
"Machismo reverso"
Alguns dos posts do "machismo reverso" mostram comportamentos tão ridículos que chegam a ser engraçados. Mas outros são tão sérios que não têm graça nenhuma. Como, por exemplo, o fato de ser comum que homens abandonem suas parceiras quando elas estão doentes.
Isso não é achismo, mas uma realidade provada em pesquisas. De acordo com levantamento da Sociedade Brasileira de Mastologia, 70% dos homens brasileiros abandonam suas parceiras com câncer. Triste. "Descobri que meu marido está com câncer de próstata. O que eu faço agora? Como EU vou ficar sem meus cuidados diários? Estou pensando em pedir o divórcio. Está sendo muito duro para MIM. Acho que não vou conseguir suportar essa situação!", escreveu Bárbara no Threads.
Esse post satírico recebeu várias respostas, diretamente da vida real. "Tive câncer de pâncreas e meu parceiro de 10 anos ficou noivo. Eu descobri porque ele e a noiva postaram emoji de aliança e declarações de amor!", escreveu uma mulher que não se identificou.
Ou seja, a brincadeira do machismo reverso é engraçada, mas também mostra comportamentos sérios, que jamais deveriam acontecer. E muito menos ser tratados com naturalidade.
Homens magoados
Para tornar tudo mais simbólico, alguns homens estão reagindo com indignação à brincadeira. Algumas meninas relatam que tiveram que fechar seus perfis depois de receberem ataques de integrantes do movimento red pill. "Que p* de machismo reverso é esse? Tá sem roupa para lavar? ", perguntou um deles. E recebeu uma resposta imediata de uma moça que participava da trend: "Tô! Botei meu marido para lavar". Risos.
Sim, apesar de muitos homens entrarem na brincadeira, outros se ofenderam de verdade. E respondem usando mais machismo. "Você está velha, ninguém vai te querer", escreveu um sujeito para uma menina que fez uma piada sobre trocar o marido velho por um novinho, mostrando que as mulheres estão cobertas de razão.
A trend incomodar pode ser um sinal de que a brincadeira está funcionando. Afinal, ouvir absurdos machistas machuca mesmo. Se alguns homens, ao terem o mesmo tratamento sendo dirigido a eles, se sentirem ofendidos e assustados, isso pode ser didático. Quem sabe sentindo como é ruim eles parem de repetir comportamentos que machucam mulheres todos os dias?
Para os homens que ainda estão confusos com a brincadeira, eu faço um womansplaining aqui: as mulheres não estão planejando tratar os homens com o mesmo machismo com que são tratadas. Podem ficar tranquilos. Essa é uma ironia feita para denunciar comportamentos que elas não aguentam mais. Entenderam?
Apesar das brigas e dos ataques, em um ano onde as redes sociais foram marcadas pela presença de red pills e de mulheres se gabando de serem "esposas tradicionais" e "esposas troféu", uma trend como o "machismo reverso", onde mulheres denunciam comportamentos masculinos tóxicos jogando na cara deles aquilo que estão cansadas de ouvir é um refresco, mesmo que amargo. E para os homens que se chatearam, fica um recado: "Nossa, você tá muito sensível e alterado, princeso".
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.