Inatividade criticada
18 de abril de 2010As reformas estabelecidas pelo Tratado de Lisboa na UE entraram em vigor há aproximadamente cinco meses. Duas das maiores mudanças estabelecidas pelo acordo foram a criação do posto de "alto representante para a Política Externa", ocupado atualmente pela britânica Catherine Ashton; e do Serviço Europeu de Ação Exterior (SEAE), que auxilia a alta representante a conduzir sua política externa.
O SEAE, planejado para iniciar suas atividades até o fim de abril, ainda não foi completamente implementado, nem deverá estar apto a começar a funcionar antes do segundo semestre deste ano. A implementação completa de outras áreas dentro do escritório de Ashton ainda poderá levar mais tempo ainda.
As consequências disso são que algumas posições claras da UE em termos de política externa, que existiam até o ano passado, foram agora deixadas de lado. E muitas delas para desgosto das ONGs sediadas em Bruxelas. Ashton alega que, tão logo o órgão esteja em pleno funcionamento, tudo irá fluir de forma mais rápida. No entanto, aos poucos, as desculpas não convencem mais ninguém.
"O que ouvimos agora é que nada ficará pronto pelo menos nos próximos 18 meses, talvez até mesmo nos próximos dois anos", disse David Nichols, encarregado de Assuntos de Política externa Europeia no escritório da Anistia Internacional em Bruxelas, em entrevista à Deutsche Welle. "A UE não pode simplesmente fechar seu escritório por dois anos, enquanto tenta resolver seus problemas internos", completa ele.
À espera de uma resposta
Um exemplo sentido fortemente pela Anistia Internacional diz respeito à postura da UE em relação à pena de morte. Segundo a organização, desde que os casos começaram a ser registrados, 2009 foi o primeiro ano, em que não se executou nenhuma pena de morte na Europa.
Apesar disso, dois homens foram condenados à morte no ano passado em Belarus, o último país da Europa e Ásia Central que ainda adota a pena de morte. Em 2009, a UE tomou posições veementes contra a execução destes dois homens. No início de 2010, contudo, o bloco manteve-se em silêncio em relação ao assunto.
Isso mudou em meados de março, quando os dois condenados foram discretamente executados em Minsk, a capital do Belarus. Onze dias mais tarde, a UE divulgou uma declaração, criticada por Nichols, da Anistia Internacional, como "chocantemente ruim".
Nichols cita as falhas no documento, como, por exemplo, a ausência dos nomes dos condenados, ou de uma menção ao fato de que suas famílias sequer foram informadas. "Completamente diferente do tipo de declarações que vinham sendo feitas no ano passado. O que significa, de fato, que esse assunto passou a não ter mais relevância na agenda da UE", diz ele.
Falta de empenho
Em parte, o problema é que o escritório conduzido por Ashton e o SEAE continuam trabalhando provisoriamente. Mas os países-membros da UE também merecem parte da culpa, declarou à Deutsche Welle Lotte Leicht, diretora na UE da ONG Human Rights Watch.
"Não se pode colocar toda a culpa da inatividade nas mãos de Ashton. São também os países-membros, que convenceram os cidadãos europeus de que o Tratado de Lisboa seria a resposta para todos os problemas da UE", observa. O Tratado de Lisboa conclama, de fato, os países do bloco a assumirem um papel de maior liderança na definição da política externa. Porém, afirma Leicht, tal ainda não ocorreu.
Em vez disso, querelas políticas sobre assuntos como "quais países irão receber qual cargo no novo escritório de política externa" estão paralisando as atividades do bloco no setor. Segundo Leicht, isso fez com que em vários casos – como por exemplo na monitoração das eleições no Sudão – a UE não tenha mantido suas posições prévias.
Progresso ou política?
Teoricamente, o Tratado de Lisboa criou os instrumentos necessários para fortalecer a presença da UE no cenário internacional. No entanto, na prática, o escritório da alta representante e o SEAE só são tão eficazes quanto as pessoas escolhidas para dirigi-los.
Se os cargos no SEAE forem preenchidos por pessoal qualificado, com experiência em suas áreas, o futuro da política externa da UE poderá ser promissor. Mas se a ênfase for dada a política – por exemplo, dando-se preferência a candidatos de determinados países – aí as coisas podem piorar.
"Se as atenções se fixarem no 'quem está recebendo o quê', baseado mais nos passaportes do que na competência, então temo que esse Serviço de Ação Externa não vá ser uma bênção, mas sim uma maldição", antecipa Leicht.
Autor: Matt Zuvela (sv)
Revisão: Augusto Valente