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O que o Mercosul aprende com impasse no acordo UE-Canadá?

Fernando Caulyt
28 de outubro de 2016

Dificuldade dos canadenses em fechar um acordo de livre-comércio com os europeus oferece algumas lições aos sul-americanos, que também tentam concluir suas negociações com a União Europeia.

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Protesto em Berlim contra a assinatura do polêmica acordo entre Canadá e UEFoto: picture-alliance/dpa/J. Carstensen

O impasse gerado pela Bélgica, que pôs em risco um tratado comercial negociado há sete anos entre União Europeia (UE) e Canadá, expôs a complexidade dos mecanismos decisórios do bloco europeu e lançou dúvidas sobre a capacidade dos europeus de fecharem acordos em conjunto. E desse imbróglio, segundo analistas, o Mercosul, que negocia acordo similar, pode tirar lições valiosas.

O acordo de livre-comércio com o Canadá, conhecido pela sigla Ceta, já tinha a aprovação dos governos dos 28 membros da UE quando acabou travado pela resistência da Valônia, uma região belga de 3 milhões de habitantes. O texto original do tratado teve de ser modificado, adiando a assinatura possivelmente por mais alguns meses.

As negociações de um acordo de livre-comércio entre Mercosul e UE, por sua vez, se arrastam desde 1999. Em banho-maria desde 2004, as discussões foram retomadas em maio de 2010, e a troca de ofertas de acesso a mercados ocorreu apenas em maio de 2016. Por ora, não há qualquer previsão de avanço significativo no processo.

A primeira lição que o bloco sul-americano aprende com o impasse do Ceta é que fechar um acordo com a UE pode ser ainda mais difícil do que já se imaginava, pois é necessária muita disposição para dialogar com todos os grupos europeus que têm influência no fechamento dos acordos. "Em se tratando da Europa, isso é extremamente difícil, pois são muitos os atores. Uma pequena região na Bélgica conseguiu travar temporariamente uma negociação que envolve 28 países", comenta Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV. "Negociar com a UE é difícil, e qualquer expectativa de que será fácil [para o Mercosul] chegar a uma conclusão neste momento é irrealista."

Resistência da população cria dificuldades

O Ceta pretende eliminar 98% das tarifas alfandegárias entre canadenses e europeus e é visto por muitos como um modelo para o TTIP, negociado entre UE e EUA e que anda a passos mais lentos do que o previsto,sendo dado por fracassado por alguns analistas e políticos. Os defensores do Ceta dizem que o pacto vai reforçar o crescimento econômico e a geração de empregos. Mas os críticos, que ganham cada vez mais força entre a população europeia, temem uma redução dos padrões europeus em áreas como legislação trabalhista, direito dos consumidores e proteção ambiental.

Essa resistência entre a população oferece uma segunda lição para o Mercosul, como explica Marcos Troyjo, diretor do BricLab da Universidade de Columbia. Para ele, as dificuldades nas negociações do Ceta e do TTIP mostram que o Mercosul terá cada vez mais que se ocupar com aspectos que vão além de tarifas e cotas. "Questões como padrões trabalhistas, propriedade intelectual, padrões ambientais e compras governamentais deverão ganharão ainda mais relevo nas tratativas. Isso pode estender ainda mais uma negociação que já dura 17 anos", diz.

Stuenkel diz que as dificuldades para concluir o Ceta não são uma boa notícia para o Mercosul. "O clima geral e a capacidade dos europeus de assinar acordos importantes de comércio estão extremamente limitados. Isso mostra que não é uma boa hora de o Mercosul negociar um acordo com a UE", diz.

Mercosul se torna interessante

Mas as dificuldades para fechar o Ceta e as chances cada vez maiores de fracasso do TTIP apresentam também um lado positivo para os sul-americanos, diz Troyjo. "Se a UE não fechar o Ceta ou TTIP, acredito que vai colocar um peso maior na assinatura de um acordo com o Mercosul. Neste momento de onda protecionista em todo o mundo, a UE não quer ser vista como um bloco burocrático e inflexível. Isso pode flexibilizar algumas posições europeias em setores do interesse do Mercosul, como a área agrícola."

Para o especialista, a UE deseja agora um acordo com o Mercosul mais do que nunca, até para mostrar que o Brexit não lhe retirou atratividade e importância como bloco político-econômico. "Na medida em que vão diminuindo as chances de uma implementação rápida do Ceta e do TTIP, Bruxelas se vê pressionada a mostrar que a saída do Reino Unido não significa que a UE está perdendo peso na economia global. Ter um acordo com o Mercosul reforça a posição dela como negociadora nos tabuleiros do Ceta e do TTIP."

Stuenkel avalia que as chances de um acordo entre UE e Mercosul aumentaram um pouco nas últimas semanas. "Mas, mesmo assim, eu continuo muito pessimista em relação a um acordo entre os blocos europeu e sul-americano, independentemente do que ocorrer agora nas negociações da UE com o Canadá. Afinal, os obstáculos para um acordo entre UE-Mercosul são muito maiores do que as dificuldades da negociação da UE com o Canadá."