"Seria um milagre a inexistência do anti-semitismo na América do Sul"
23 de novembro de 2005O diretor do Centro de Pesquisas sobre o Anti-semitismo da Universidade Técnica de Berlim, professor Wolfgang Benz, não se surpreende com a existência de núcleos neonazistas ou anti-semíticos no Brasil. Neste ano, foram registradas ações de grupos em Porto Alegre, Curitiba e São Paulo. Na região Sul, foram denunciadas 25 pessoas de maio a outubro deste ano.
Para Benz, o fenômeno é global e representa uma válvula de escape para problemas sociais. Manifestações neonazistas continuam ocorrendo na Alemanha e em países do Leste Europeu. Na Alemanha, de 2003 para 2004, os delitos de fundo anti-semítico cresceram quase 10%, conforme dados do Ministério do Interior. "Quando há problemas econômicos e sociais, em qualquer que seja a nação, a culpa é atribuída às minorias e, principalmente, aos judeus", explica.
O pesquisador afirma que os judeus são apontados como razão para a existência de problemas que não têm nada a ver com eles, como culpados por questões complexas. "É necessário que os diferentes setores da sociedade discutam a questão, porque o anti-semitismo pode ser instrumentalizado para fins políticos", adverte o pesquisador.
O medo da classe média
Em São Paulo e em Porto Alegre, as duas cidades onde se concentram as maiores comunidades judaicas do Brasil, universitários foram presos por agressões físicas ou verbais a judeus. Muitos dos brasileiros que estão envolvidos em grupos neonazistas na internet ou que registram na rede declarações anti-semíticas pertencem à classe média.
No final de outubro, integrantes de grupo neonazista, também de classe média, foram presos em Curitiba, acusados de agredirem a tesouradas homossexuais. Benz opina que a classe média brasileira tem medo de uma derrocada social provocada pela crise geral do país. Para ele, este medo levaria facilmente a manifestações agressivas contra minorias, inclusive judeus.
Wolfgang Benz, autor de diversas publicações e livros sobre o tema, disse, em entrevista exclusiva à DW-WORLD, que seria um milagre se não existissem manifestações anti-semíticas na América do Sul. "Eu as conheço da Argentina, de alguns anos atrás", lembra. Ele classifica como ilusão pensar que pudesse não existir anti-semitismo ou racismo no Brasil.
O fascínio
Para o professor, as manifestações neonazistas ocorridas no Sul do Brasil e em São Paulo são naturais. Ele acredita que, muitas vezes, algumas pessoas se agregariam a estes grupos sem ter noção do tema. Segundo Benz, elas não teriam idéia de quem são os judeus e se apoiariam em imagens construídas sobre esse grupo da população. "Não é preciso conhecer um judeu para ser anti-semita", esclarece o especialista.
Sites de relacionamento com comunidades neonazistas têm proliferado na internet. O Orkut abriga dezenas de comunidades formadas por jovens brasileiros, com fóruns de discussões anti-semíticas ou neonazistas. Wolfgang Benz afirma que não existe uma explicação racional para a simpatia de alguns jovens brasileiros com as idéias nacional-socialistas ou anti-semíticas.
"Os jovens infelizmente estão mais suscetíveis à fascinação pelo nacional-socialismo, mesmo em países como Rússia e Polônia, que foram vítimas desse regime", explica Benz. Para ele, os jovens se deixam encantar pela forma marcial, pelo uniforme, pelas frases feitas sobre honra, nação, mas nada disso teria ligação com a realidade.
Extremismo de direita no Brasil
Para o professor, não existe explicação para as agressões promovidas por neonazistas a três jovens que utilizavam quipá, em Porto Alegre, no dia 08 de maio, quando foram lembrados os 60 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. Eles foram espancados e esfaqueados em área movimentada da cidade. Foi a primeira agressão física a pessoas por serem judias na capital gaúcha.
"Não são manifestações individuais, mas sim ligadas à imagem que se tem dos judeus. As pessoas pensam que os judeus dominam o mundo, e quando encontram um ou dois deles na rua, acreditam que eles têm a ver com esse 'fantasma' e os agridem.", explica Benz.
A identificação, por parte da polícia brasileira, de grupos neonazistas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo não seria, segundo Benz, um indício de que o extremismo de direita e o anti-semitismo estaria se propagando pelo Brasil. Para ele, pode ser que se trate de três grupos isolados ou de uma tendência política que agrupe ao todo 50 ou 100 pessoas.
Um partido nacional-socialista
No Orkut, existem comunidades que discutem a possibilidade de criar um partido nacional-socialista no Brasil. Para o professor, é mais fácil criar um partido nacional-socialista no Brasil do que na Alemanha. "Aqui é proibido e no Brasil provavelmente não, porque lá ninguém pensa nessa possibilidade", afirma Benz.
Para ele, esta questão só seria motivo de preocupação se fosse realmente fundado um partido com esta linha ideológica. "São quase sempre grupos muito pequenos que, justamente por causa da propaganda e do fato de estarem presentes na internet, dão a impressão de serem maiores e mais perigosos do que são na realidade", explica o pesquisador.
Wolfgang Benz acredita que jamais existirá uma regulamentação internacional sobre grupos neonazistas ou anti-semíticos. Para ele, as legislações nacionais são sempre suficientes para coibir essas manifestações e, se o Brasil "estiver disposto a não tolerar o extremismo de direita ligado ao racismo e ao anti-semitismo, basta uma lei nacional para penalizar essas manifestações".
O compromisso dos países
Benz afirma que não existe lei capaz de combater o anti-semitismo na internet. Ele diz que não há um regulamento internacional. "Nem mesmo os Estados Unidos, que têm tanto orgulho de sua moral polítíca, proíbem que nazistas alemães façam propaganda a partir dos Estados Unidos e a divulguem na Alemanha e no mundo inteiro", reclama o professor.
Os autores dos materiais divulgados pela internet se escondem no anonimato e, geralmente, é difícil a punição porque os sites estão hospedados em países de legislação branda. "A única possibilidade que existe é que os parlamentos e os governos se distanciem claramente dessas manifestações", propõe o diretor do Centro de Pesquisas sobre o Anti-semitismo da Universidade Técnica de Berlim.
"Desperdício de dinheiro"
A Organização para a Segurança e Cooperação da Europa (OSCE) propôs, em especial para os países do Leste Europeu, a idéia de banir o anti-semitismo. A entidade tem se empenhado na discussão do tema. A última conferência organizada pela OSCE sobre o tema foi em Córdoba, na Espanha, em junho deste ano.
Benz foi um dos palestrantes do evento. Para ele, as iniciativas da OSCE têm trazido pouco resultado prático, porque não impressionam os anti-semitas da Europa.
O professor não teme que esses grupos de diferentes países se unam, embora diga que isto não é impossível. "São extremamente nacionalistas e, além disso, os radicais de direita geralmente não falam muitas línguas. Não acredito numa conspiração internacional de extremistas de direita e de anti-semitas", conclui o pesquisador.