Língua morta, porém popular
23 de abril de 2006Entre os estudantes alemães de segundo grau, o latim ocupa atualmente o terceiro lugar entre os idiomas estrangeiros mais estudados e continua ganhando terreno.
O status da língua falada pelos antigos romanos é bem mais elevado do que o quase todas as neolatinas, incluindo o universal espanhol. O italiano, seu descendente direto, está longe de conquistar o interesse de tantos jovens quanto o "pai latim".
Em 2003, 654 mil estudantes da Alemanha, entre 14 e 18 anos, se ocupavam em declinar substantivos e conjugar os verbos latinos. Dois anos mais tarde, este número elevou-se em mais de 13%, chegando a 740 mil.
Somente o inglês – com dez vezes mais alunos – e o francês – duas vezes e meia mais popular – vencem o latim na corrida dos idiomas estrangeiros.
De volta às origens européias
A popularidade do idioma na Alemanha coincide com a unificação da Europa. O fenômeno é de certa forma análogo à época em que o império de Augusto César se estendia da Gália, no noroeste, à Ásia Menor, no sudeste do continente.
O latim era a língua franca num tempo em que Roma – juntamente com seu modelo, a Grécia – era o berço da moderna civilização européia. É precisamente a tentativa de entender as próprias raízes e de encontrar uma identidade européia comum que dita o atual renascimento latino, segundo Hartmut Loos, presidente da Associação Alemã de Filologia (DAV).
Estudantes que lêem Ovídio ficam conhecendo a mitologia que deixou sua marca na cultura ocidental. Eles descobrem que o continente deve seu nome à bela Europa, raptada pelo rei dos deuses, Júpiter.
"Nenhuma matéria se presta tão bem quanto o latim para nos auxiliar a entender nossas raízes européias comuns", confirma Loos. "Ele é um instrumento multifacetado, incluindo tanto idioma quanto aptidões metódicas, culturais e pessoais."
Melhores métodos de ensino, mais alunos interessados
Quem aprendeu em décadas passadas a tão apreciada língua, geralmente tem associações nada agradáveis: noites insones, memorizando tabelas de verbos e padrões de declinação nominal. Porém as experiências dos estudantes de hoje em dia são bem mais positivas.
Eles são poupados de maçante tarefa de dissecar e traduzir cada palavra. Mais importante do que aprender as formas do dativo e do ablativo, é a habilidade de analisar o conteúdo do De bello gallico de Júlio César, ou de compreender a relevância, para a democracia moderna, do De re publica, de Cícero.
Segundo um dos principais pedagogos alemães, Friedrich Maier, os alunos de latim possuem hoje maior autonomia. Eles têm a possibilidade de formar grupos e apresentar as próprias descobertas para os colegas, em vez de apenas responder às perguntas do professor.
Na concepção de Maier, a instrução do latim é mais do que um mero treinamento gramatical, visando formar o caráter. Nos últimos tempos, os editores também renovaram radicalmente o conteúdo dos livros didáticos, acrescentando mais informações sobre cultura, política, filosofia e cotidiano romanos.
Paladino na mídia
Contudo, o latim não é apenas popular entre os adolescentes. Um dos maiores paladinos da Antigüidade e das línguas clássicas na Alemanha é Günther Jauch, o mais famoso apresentador de TV do país.
Ele, que faz as perguntas na versão alemã do Show do Milhão, admite que o latim e o grego antigo são difíceis. Porém compara o aprendizado desses idiomas a uma viagem.
"Latim é como pegar o caminho mais longo. Se quero chegar de A a B da forma mais rápida, tomo a auto-estrada. Porém a beleza está nas paradas pelo meio, em passar pelas cidadezinhas", comentou Jauch à revista Der Spiegel.
Milosevic mortuus
Muitos docentes de latim também apreciam o próprio trabalho, e tentam dar uma vida vibrante a essa língua "morta".
Sete professores de uma escola de Bremen, por exemplo, compilam e irradiam um boletim mensal de rádio com as principais notícias locais, nacionais e internacionais, tudo em latim.
Em março, o falecimento do antigo líder sérvio foi anunciado com o título: "Milosevic mortuus". Afinal, quidquid latine dictum sit, altum viditur. Traduzindo: "Dito em latim, tudo soa profundo".