Cúpula do Clima
28 de novembro de 2010Deutsche Welle: Quais as prioridades da União Europeia na cúpula do clima de Cancún?
Connie Hedegaard: A principal meta da UE é chegar a um conjunto equilibrado de decisões, que permita a continuidade das negociações internacionais sobre o clima. Além disso, deverão ser cumpridas algumas promessas feitas pelos chefes de Estado na cúpula de Copenhague, no ano passado.
A UE já estava disposta a assinar um acordo internacional em 2009, mas como o Senado norte-americano não sancionou nenhuma lei sobre o clima, Cancún não trará nenhum acordo internacional vinculativo. Mesmo assim, podemos tentar atingir algumas metas específicas, como, por exemplo, diretrizes para a proteção das florestas e para a adaptação à mudança do clima. Também podemos acertar alguns princípios básicos de cooperação no âmbito de tecnologia ambiental.
No entanto, é necessário que os países industrializados cumpram os compromissos financeiros assumidos em Copenhague. É absolutamente decisivo que eles realmente liberem os 30 bilhões de dólares para o financiamento imediato relativo ao ano corrente, a 2011 e 2012.
Um pacote equilibrado incluiria um acerto e avanços no âmbito da adoção de medidas mensuráveis, reportáveis e verificáveis (MRV), o que implica sistemas de medição de gases-estufa e relatórios transparentes. Isso é decisivo, pois, nesse âmbito, somos mutuamente dependentes.
Quais são as suas metas de proteção florestal e quais delas são realistas?
Ambicionamos um acerto sobre o aumento da atratividade de medidas ambientais, por exemplo para os agricultores brasileiros. Em geral, eles não têm outra possibilidade a não ser desmatar as superfícies que precisam cultivar para nutrir suas famílias. Queremos mudar isso, de modo que, no futuro, eles possam ganhar algo com a proteção da floresta tropical.
Quanto ao cumprimento dos compromissos financeiros, quais avanços estão previstos para Cancún?
O grupo dos países industrializados prometeu 30 bilhões de dólares. A Europa concordou em liberar um terço desse valor. Agora em Cancún vamos provar que cumpriremos esse compromisso. Os 27 países-membros da UE e a Comissão Europeia vão pagar 7,4 bilhões de euros.
No entanto, é muito importante que outros países industrializados também cumpram suas promessas. Afinal, os países em desenvolvimento querem ver se os ricos vão manter mesmo sua palavra, algo fundamental para o clima psicológico durante das negociações.
Como a senhora avalia o papel de países como a China?
Acho difícil avaliar o papel da China. Tenho a impressão de que Pequim se comporta de forma construtiva em reuniões ministeriais, tendo defendido veementemente o acordo de Copenhague. No entanto, às vezes percebo sinais de recuo, o que é um pouco desconcertante.
O paradoxo é que, em seu próprio país, os chineses fazem muita coisa, estudando possibilidades de eficiência e intensidade energética. Eles também estão dispostos a definir novas metas em relação a fontes renováveis de energia e, pela primeira vez, em relação emissões de CO2.
Para muitos países em desenvolvimento, é absolutamente decisivo o que a China tem a dizer – por exemplo, no encontro de coordenação do G77 com 130 países. Consideramos a atuação da China importante, sobretudo porque o país tem o maior volume de emissões de CO2 no mundo.
Relatórios recentemente divilgados mostraram que, embora a UE tenha tido êxito no papel quanto à redução de CO2, muitas emissões foram "exportadas". Em um país como a China, por exemplo, parte das emissões é causada pela produção de bens de exportação?
Hedegaard: É um fato que, desde 1990, uma grande parte da produção europeia vem sendo transferida para o exterior. Daí a importância de um acordo global.
Nos últimos anos, um dos principais interesses da UE tem sido motivar a China, a Índia e o Brasil a fazer algo. Uma conquista em Copenhague, por exemplo, foi a iniciativa de alguns países – como Coreia, China, Índia, África do Sul, México, Brasil, Indonésia – de estabelecer pela primeira vez metas nacionais.
É verdade que estamos transferindo para o exterior parte de nossa produção. Por outro lado, a Europa avançou em termos de eficiência energética. Ao lado do Japão, somos a região com a mais alta eficiência energética do mundo. Em nosso pacote sobre energia e clima, a vigorar até 2020, nos impusemos a meta de 20% de energias renováveis. E estamos a caminho de atingir esse objetivo a tempo.
Quanto às metas de emissão, alguns argumentam que a UE deveria ir mais longe ainda, caso queira manter a liderança na redução de CO2. Existe até uma iniciativa empresarial europeia que propõe a meta de 30%...
Infelizmente essa iniciativa não abrangia todas as empresas europeias. Mas o debate merece uma continuidade. É por isso que a Comissão Europeia afirmou, em maio passado, que a Europa mantém sua antiga promessa de reduzir até 30%, sob condição de que as negociações internacionais demonstrem avanços.
Também há outro argumento do qual não podemos esquecer. É de interesse econômico da Europa que o continente se mantenha ambicioso nesse sentido, poi até hoje já reduzimos 17,3% em relação a 1990 e conseguiremos reduzir 20% até 2020. É claro que a marca de 17,3% é relativa, pois também reflete a crise econômica. Mesmo assim, a Europa diminuiu suas emissões seis anos seguidos e está no caminho certo para atingir a meta de 20% até 2020.
Copenhague foi uma grande decepção para muita gente. Houve até quem tenha deixado de levar a sério as negociações internacionais e não espere grande coisa de Cancún. A senhora acha que, diante desse quadro, esta cúpula pode realmente trazer avanços?
A Europa está se empenhando muito para que Cancún tenha um bom resultado. A situação é difícil, sem dúvida, mas penso que a sensação de urgência não será menor que antes de Copenhague. Afinal, o que se passou desde então? A situação do clima não melhorou nada. Tivemos na sequência os 12 meses mais quentes de todos os tempos. Cada ano em que adiamos medidas concretas para reverter a mudança do clima, o processo se torna mais dispendioso e caro para todos.
Autora: Irene Quaile (sl)
Revisão: Soraia Vilela